Livro das derrapadas no marketing

Vovô Coelho não faz um 21, nem na Páscoa
Colunista: Antonio Silvio Lefèvre – Edição 24/03/2008

Desde o final de 2007 a Embratel vem veiculando uma série de comerciais que tem por tema a “família Coelho”, uma família que tem 21 filhos em 21 cidades e na qual, evidentemente, todos se comunicam pelo 21.

Deixando de lado a infantil gracinha de dar o nome de Coelho a esta família numerosa, piada na qual não acredito que os meus amigos de uma (verdadeira) família Coelho tenham achado graça, a principal piadinha “criativosa” destes comerciais está na figura do vovô Coelho, aparentando os seus sessenta e poucos, que é apresentado como um perfeito idiota ou, na melhor das hipóteses, um velho caduco.

O papel principal nos comerciais cabe sempre à vovó Coelho que, apesar de pelo menos 21 partos, é uma mulher bem “enxuta” e articulada, capaz de recitar direitinho o script que conta as maravilhas da Embratel. Ao seu lado, em várias situações, aparece sempre o vovô Coelho, com um sorriso bobo, balançando a cabeça em sinal de aprovação a um discurso do qual, pela cara, ele não está entendendo nada. Num dos comerciais a vovó está na praia, dialogando com as netas, esquece de passar o creme de sol no vovô e este então, total incapaz, fica vermelho de queimado. Ainda se ele tivesse se distraído olhando os biquínis das moças… mas nem isso deixam ele fazer no comercial. Com o olhar vazio para o nada e um sorriso inocente (quiçá imbecil) ele parece estar com os primeiros sinais de Alzheimer.

No mais recente comercial o vovô está guiando um triciclo com a vovó no banco ao lado, ligando pelo celular para a filha (pelo 21, presumo) para avisar que estão indo visitá-la. Neste momento cruzam com a filha que vem de bicicleta no sentido contrário, para ir visitá-los. Apesar dos gritos da neta e da atenta vovó, o caduco vovô Coelho (surdo, cego ou ambos?) não entende a situação e continua pedalando para a frente, de olhos fechados, inclusive (um perigo para o trânsito!).

Em meu nome e dos sessentões amigos, todos eles muito ativos e no auge de sua lucidez, eu faço um veemente protesto contra esta caracterização de um dos nossos como um velho caduco e incapaz. Garanto que toda a audiência masculina deste comercial, na faixa dos 50 em diante, sentiu-se incomodada com isso. E talvez a audiência feminina e jovem também, em respeito a seus maridos ou pais “sexagenários” que, como o nome indica, estão na “idade do sexo” (com qualidade, mais do que quantidade…).

A melhor definição de “velho” que já encontrei foi esta: o velho, para nós, é qualquer pessoa que tenha dez anos a mais do que nós mesmos. Com 20 achamos que os de 30 estão ficando velhos. Com 30 nos achamos moços mas vemos os de 40 como praticamente aposentados. Quando chegamos aos 40 dizemos que a vida começa aos 40, nos sentimos jovens lobos e temos pressa de fazer de tudo porque imaginamos que aos 50 anos estaremos velhos. Aos 50 percebemos que estamos muito bem e dispostos a tudo, até a mudar de carreira e por vezes até casar de novo… mas tem que ser depressa, antes que cheguemos aos 60 porque então… a única vantagem será furar a fila no banco e pagar meia no cinema. Quando atingimos os 60 nos recusamos a furar a fila e pagamos entrada inteira porque não nos sentimos em nada idosos. Ao contrário, nos achamos melhor do que nunca e só tememos chegar aos 70… E assim por diante. Quem tiver dúvidas pergunte ao centenário e ativíssimo Niemeyer, cujo único indício de senilidade seria não ter notado ainda que Stalin morreu e o muro de Berlim caiu… Mas isso não é da idade, já que muitos mais moços ainda padecem desta mesma doença infantil do esquerdismo.

Voltando à Embratel, fico me perguntando o que passou pela cabeça dos publicitários que bolaram esta campanha e criaram este personagem vovô-bobo. Espero, sinceramente, que não tenham se mirado em nenhum exemplo familiar pois não desejo a ninguém a experiência de ter uma pessoa próxima (e querida) com o mais leve grau de demência senil.

Se não foi por isso então, de qual cartola tiraram este coelho? Será que assumiram que os de mais de 50 são tão bobos e senis que iriam achar graça da própria desgraça? Ou será que focam apenas no mercado jovem, desprezando o mercado dos mais de 50 e por isto se lixam para eles? Será que nunca ouviram falar da idade da afluência? Nunca ninguém lhes contou que, nas classes médias pelo menos, este segmento de mercado tende a ter bom poder aquisitivo, além de ser formador de opinião? Ou será que, num raciocínio simplista, assumiram que esta faixa etária não tem capacidade para fazer ligações telefônicas interurbanas ou usar um celular?

Se foi isso os publicitários criaram um enorme nonsense nesses comerciais porque, afinal, o que eles querem mostrar não é justamente que os avós devem falar com os filhos e netos pelo 21? Ora, se o vovô é um incapaz, então de duas uma: ou ele não vai fazer ligação nenhuma, ou nunca vai acertar fazer o 21.

Mesmo assumindo que os criativos estejam na faixa dos 20/30 anos e vejam um homem de 60 como um velho coroco bestificado, será que não lhes passou pela cabeça que o público jovem que eles visam tem pais e avôs que não se encaixam necessariamente neste retrato pintado do vovô Coelho? E que nenhum filho ou neto irá gostar de ver os pais ou avôs apresentados como dementes senis?

A compulsão de fazer graça a qualquer custo é a doença infantil dos publicitários. De tão preocupados em serem humoristas alguns deles se esquecem de que são contratados para vender os produtos/serviços de seus clientes, ampliando ao máximo o mercado destes. O que pressupõe não excluir, pela ofensa ou pela piada de mau gosto, nenhum segmento deste mercado. Mesmo que seja o de centenários. E que saudades de fazer um 21 com a Ana Paula Arósio!