Livro das derrapadas no marketing
Retomando o tema da irrelevância (ou importância?) das marcas, oportunamente abordado pelo colega colunista José Roberto Whitaker Penteado na edição passada do jornal PropMark, lembrei-me de um fato curioso. É que nas últimas vezes que comprei uma camiseta ou agasalho, tive grande dificuldade de encontrar alguma que não tivesse uma marca estampada no próprio peito. Em outros tempos as marcas eram etiquetas costuradas por dentro das golas, que os compradores logo arrancavam, porque “beliscavam”. Hoje já é difícil saber qual é lado certo e qual o avesso de algumas roupas pois até as etiquetas das golas estão do lado de fora.
Um pesquisador marciano que prepara seu doutorado sobre comportamento dos terráqueos, ao verificar quanto custa veicular uma marca nas diversas mídias do planeta, ficou espantado ao verificar que bilhões de seus habitantes veiculam marcas de graça, em seus próprios peitos (ou pescoços), assumindo assim o risco de endossar pessoalmente essas marcas e os respectivos produtos ou serviços. Excluindo as multidões de miseráveis que ganham as camisetas “marcadas” em promoções e as vestem apenas porque são gratuitas, ignorando o significado das marcas que estão divulgando, ainda sobram milhões de “classe-médias” que vestem essas marcas por identificarem-se de alguma forma com o que imaginam que elas representem.
“Geniais esses marqueteiros terráqueos”, comenta o marciano com seus colegas, ao verificar como conseguem criar tanto valor para certas marcas a ponto de fazer dos seus semelhantes propagandistas espontâneos e gratuitos das mesmas, inclusive quando não são usuários delas, mas apenas as idealizam de alguma forma. Observando as ruas terrenas com o seu Google-Mars, o estudioso marciano depara com mais coisas estranhas: todos ou quase todos os equipamentos utilizados pelos terráqueos no seu dia-a-dia, como automóveis, TVs, computadores, celulares, relógios e por vezes até óculos, trazem estampada alguma marca. E os fabricantes das mesmas também não pagam nada para que sejam veiculadas.
“Muito estranhos esses terráqueos”, comenta ele. “Pagam para adquirir os produtos e serviços e depois fazem propaganda de graça para eles”. E em seu paper ele anota: “Os terráqueos são seres irracionais, que acreditam no poder mágico de certas marcas, como se estas fossem divindades que lhes atribuem alguma característica especial em termos de comportamento que é valorizada por seus semelhantes, como status, esportividade, juventude, sensualidade, etc, mesmo quando esses atributos não têm nenhum fundamento objetivo, sendo, ao contrário, puramente virtuais, fruto de elaborações de profissionais que eles denominam marqueteiros, que criam artificialmente certos valores e modismos para fazer com que os humanos ingenuamente os adotem e divulguem, sem custo.”
O orientador de tese do nosso marciano sugere contudo que ele não parta para conclusões precipitadas e aprofunde a pesquisa sobre os atributos dessas marcas, a fim de comparar esta propaganda espontânea com a avaliação dos terráqueos sobre a qualidade real do produtos e serviços divulgados.
Nosso pesquisador consulta então as pesquisas disponíveis na Terra, inclusive dos seus órgãos de defesa do consumidor e colunas de reclamações nos jornais, e verifica que, de uma forma geral, as marcas divulgadas de forma espontânea tendem a ser as mais bem avaliadas.
Anota então em seu caderno: “Embora aparentemente irracional, o comportamento dos terráqueos tem a ver com o valor real das marcas por eles divulgadas espontaneamente, pois são raros os casos observados de marcas de má reputação que são ‘vestidas’ por grande número de habitantes deste planeta. Tudo indica que esta técnica utilizada pelos chamados marqueteiros é um subproduto, benéfico, da satisfação dos seus habitantes com os produtos ou serviços dessas marcas, ou com as informações obtidas por estes de outros habitantes que as tenham utilizado.”
E já rascunha sua conclusão: “Portanto, não é apenas por ser influenciado pela propaganda das marcas nas mídias pagas que o terráqueo as adota, mas também e primariamente, por sua satisfação com elas que, por sua vez, faz com que sinta-se motivado a propagá-las desinteressadamente aos demais membros do seu grupo. Assim,a propaganda paga e a espontânea dos produtos éticos (excetuados portanto aqueles que enganam o consumidor) informa e aconselha os terráqueos sobre as marcas às quais eles atribuem maior valor, revelando-se como um elemento positivo no desenvolvimento do planeta.”
Aprofundando contudo sua análise a nível regional, o pesquisador marciano verifica com espanto que, em algumas localidades, apesar desta função positiva, a propaganda como um todo ou em certos segmentos ou mídias, é vista como um mal e perseguida pelos governantes. Numa localidade específica, a maior da região que denominam Brasil, a pretexto de “limpeza”, proibiram o que denominam “propaganda exterior”, começando por penalizar cartazes e terminando, por coerência, multando e condenando a pesadas penas os habitantes que usam camisetas ostentando marcas, classificados pejorativamente de “outdoors ambulantes” e “poluidores visuais”. Em vista disso, o pesquisador marciano reformulou a conclusão de sua tese: “Os terráqueos são, definitivamente, seres irracionais, movidos pelos mais estranhos e incontroláveis impulsos destrutivos”.