Livro das derrapadas no marketing

Sul América: puxando o tapete dos vovozinhos
Colunista: Antonio Silvio Lefèvre – Edição 17/04/2006

“Você é nosso segurado desde 01/02/1983”, me relembra a fatura do Clube dos Executivos, seguro de vida que contratei quando eu era um “executivo”,  acreditando no fato dos valores do “prêmio” e do “benefício” serem determinados apenas pela idade na aquisição e que jamais seriam alterados, apenas corrigidos pela inflação – daí a vantagem de fazer o seguro quando ainda jovem… Este “clube” era gerido por um grupo de seguradoras, entre as mais respeitáveis do mercado e, assim, eu confiei na promessa e adquiri duas apólices, uma para mim, outra para minha mulher. Em algum momento este clube ficou sob a responsabilidade da Sul América, por sua vez associada à holandesa ING. Ótimo, pensei eu ingenuamente: esse pessoal tem fama de gente séria, o seguro está em boas mãos…

Pois não é que, em 26 de março último, abro, como sempre, a imperdível coluna do Elio Gaspari na Folha de S. Paulo e leio este título: “O seguro de 1975 virou tunga em 2006”. E ele conta o caso de um segurado… do Clube dos Executivos… que fez o mesmo que eu, só que nove anos antes… e que agora se viu surpreendido com uma mudança unilateral nas regras, instituindo a variação do prêmio por idade e que o coloca diante desta alternativa dramática: ou ele aceita a mudança e terá o prêmio do seguro aumentado em 1.142% nos próximos seis anos… ou então a Sul América simplesmente rescindirá o contrato em 30 de setembro e ele perderá tudo que pagou em 31 anos.

Opa! Clube dos Executivos?… Acho que eu recebi dois envelopes deles esta semana, que ainda não abri… Deixa ver… “Programa de readequação da carteira de seguros de pessoas”…. tabela de variação da faixa etária… Não acredito! Estão aplicando o golpe em nós também!

Bela maneira de fazer negócios… a empresa vende seguros de vida para quem é jovem e oferece pouco risco de morrer… e quando eles ficam mais velhos e começam a apresentar risco, quer se livrar deles… ou então fazê-los pagar muito mais pelo risco de estarem mais perto de usar o benefício do seguro (sim, porque o seguro é também por morte natural e desta, até segunda ordem, ninguém escapa…).

Sugestão do Elio Gaspari aos “velhinhos” tungados: que todos se reúnam para uma festa na porta da Sul América no dia 29 de setembro, metade numa calçada e metade na outra e que uns metralhem os outros, morrendo todo mundo na vigência do contrato que adquiriram. Assim pelo menos as famílias usufruirão o “benefício” pelo qual pagaram “prêmios” durante trinta anos ou mais.

Como tenho compromissos já agendados para outubro, não pretendo comparecer a esta festa… Mas vejo-me na necessidade de tomar uma atitude, não como simples cliente desta seguradora, porque pelo visto ela não tem clientes e acha que não precisa de marketing, mas apenas de “vítimas” para expropriar o que pagaram por toda uma vida, na expectativa de que a companhia cumprisse a promessa que fez.

Olhando então pelo aspecto puramente legal, verifico que ela alega estar amparada por “circulares” emitidas pela Susep (Superintendência de seguros Privados, autarquia do Ministério da Fazenda encarregada de fiscalizar as companhias de seguros), no apagar das luzes de 2005… Gente, será que eu li bem: “fiscalizar”?…

Será possível que o órgão do governo federal encarregado de proteger os consumidores de abusos praticados pelas seguradoras seja justo aquele que lhes dá amparo e instrumentos para que possam abusar deles ainda mais, e de forma mais escandalosa? Espero estar enganado e ler amanhã que a Susep simplesmente proibiu as seguradoras de aplicar este golpe. Mas se a iniciativa não partir dela, espero que venha do Ministério Público.

Por via das dúvidas, nós, consumidores vitimados pela Sul América e outras, infelizmente só temos a porta da Justiça para bater. Segundo li no Estadão, a Associação de Defesa do Consumidor do Rio de Janeiro já entrou com ação civil pública, alegando que esses reajustes afrontam o Estatuto do Idoso, que proíbe o reajuste por faixa etária. E a nossa colega Maria Inês Dolci, do Pro-Teste, alega que os novos contratos que as seguradoras pretendem impor contrariam o Código de Defesa do Consumidor, que anula cláusulas abusivas.

Vamos à briga então, vovozinhos do Brasil, um por todos e todos por um! Que esta seja uma bandeira a apresentar aos candidatos da próxima eleição. Que aquele que não condenar mais esta barbaridade contra a terceira idade não tenha o voto de ninguém com mais de 60 anos e dos seus familiares! Aliás, cabe um lembrete final para a Sul América e congêneres, que talvez achem que são muito espertinhas…. Os vovozinhos têm filhos, genros e noras, sabiam? Um dos meus pensou em fazer um seguro de vida agora, que ainda é jovem, e eu lhe disse: fuja da Sul América! Quero ver alguma companhia que está perseguindo os velhinhos de hoje conseguir vender seguro para um velhinho de amanhã… Quanto mais esperto fores, mais derraparás: um lema a registrar.