Livro das derrapadas no marketing
“Simplesmente primeira classe”, era o slogan do BankBoston, antes de ser incorporado pelo Itaú. Cliente do BankBoston em função de sua agilidade na área cambial, facilitadora de negócios com universidades americanas, sempre achei por demais agressivo este posicionamento. Típico de criativos que, não conhecendo a “primeira classe” não sabem que, excetuando os nouveaux riches, esta aprecia mais a discrição do que a ostentação e com certeza sentia-se incomodada ao ver este slogan “classista” no Jornal da Noite da Globo, patrocinado pelo banco.
Seja como for, o banco tinha lá suas mordomias, filas discretas e, last but not least, o patrocínio de uma excelente assinatura de música erudita, iniciada no Clube A Hebraica de São Paulo e posteriormente transferida para o magnífico auditório do edifício-sede do banco, decorado com ainda mais magníficos painéis de Portinari e com ar condicionado até no estacionamento! Pelo preço de um ingresso de cinema, os clientes do banco apreciadores de música clássica degustavam apresentações de conjuntos de câmara e solistas, entre os melhores do mundo, num ambiente aconchegante, brindados com um ótimo café espumante no intervalo e deliciosas taças de proseco ao final. Só pelos concertos já valia a pena ser cliente BankBoston e amargar o seu paquidérmico internet banking, em que nada era feito na hora, tudo tinha que ser programado para a compensação.
Veio a absorção do BankBoston pelo Itaú e com ela, pensei, pelo menos esta parte internet deve melhorar muito, pois nisto o Itaú é realmente o melhor. E melhorou mesmo mas começou mal, pois a transição para Itaú foi um verdadeiro desastre. Por várias semanas as antigas agências BankBoston, que rapidamente receberam sinalização de “Itaú Personnalité”, perderam totalmente a “personalidade”. Já não sabiam mais o que eram e, por incrível que pareça, só aceitavam cheques do Itaú, recusando os do antigo BankBoston e mesmo os provisórios que emitiram com a logotipia Personnalité, porém ainda com a numeração do banco antigo. Acontecia então esta situação kafkiana: um cliente Itaú “normal” ou mesmo do “personnalité” antigo, não podia fazer nada nessas agências, privativas dos antigos clientes BankBoston. Porém estes também não podiam fazer nada porque as agências só operavam no sistema do Itaú, não do BankBoston… Só “se viravam” mesmo aqueles clientes que, como eu, por sorte tinham também outra conta no Itaú normal, sem “personnalité”, e por isso entravam na agência como “bankbostônicos” mas operavam como “itaúnicos”… Ou seja, só se saíam bem os zumbis ou marcianos.
Enquanto isso, os “bostônicos” eram adulados com malas diretas hiper produzidas, pastinhas do “Personnalité”, daquelas feitas para impressionar mas que não servem para nada, a não ser para a gráfica faturar e o cliente ficar com pena de jogar no lixo, pelo menos no primeiro dia…
Porém, naquilo que realmente interessa ao cliente, ou seja, os cartões chegarem, serem aceitos pelas máquinas, os cheques serem entregues, as senhas serem reconhecidas na internet, etc, tudo isso só saiu (aliás está saindo) na base do fórceps e com dezenas de trocas de emails e telefonemas à gerência, um sufoco! Até agora não consegui que o “personnalité” reconheça um ItauCard que eu já tinha. Parece que este era de outra “classe”, apesar de ser um “gold”.
Porém o golpe de misericórdia eu recebi mesmo quando informaram que aqueles magníficos concertos BankBoston se transformaram agora nos “Clássicos Personnalité”, que têm a pretensão de reinventar o conceito de música clássica, incluindo nela o tango, jazz, MPB e chorinho. O programa passou a ser um pot-pourri de temas tipo “clássico-popular” destinados a iniciantes, os intérpretes são nacionais desconhecidos, batizados de “solistas personnalité”, acompanhados de poucos estrangeiros de segunda linha – e as audições são realizadas numa sala comercial, que não chega aos pés da outra. Finalmente, presente de grego para as “personnalités”, o preço do ingresso é três vezes maior!
Decididamente, tudo o que Itaú fez nesta aquisição do Boston foi tentar afrancesar os seus clientes americanófilos, atribuindo-lhes esta “personnalité” herdada da aquisição do Banco Francês, em vez de lhes dar uma “personality”, ou melhor, em vez de esquecer esta denominação pedante e provinciana que me valeu a gozação de um amigo francês e concentrar-se no que realmente interessa ao cliente: bons serviços, bom atendimento e sobretudo tarifas moderadas. E se algo mais vier através de patrocínios, que seja algo que respeite a inteligência dos clientes, sem a pretensão paternalista de lhes dar lições de cultura, quando fica óbvio que o objetivo do banco é apenas economizar no patrocínio…
Que tal o Itaú ser apenas um banco eficiente, como sabe ser, sem tratar os clientes como incapazes a quem é preciso ensinar, em campanhas intelectualóides como a do Personnalité que está no ar, aquilo que é bom ou não para eles ou como devem se sentir em suas situações de vida? Até para fazer jus ao pretensioso slogan agora adotado: “Perfeito para você”. Aliás, o slogan do Itaú “normal” é “Feito para você”, donde se depreende que só os clientes com “personalidade” merecem a propalada perfeição… porém na classe econômica.