Livro das derrapadas no marketing
Voltando ao Brasil depois de uma longa estada no exterior, o amigo e leitor Boris Vargaftif comprou um celular pós-pago da Vivo.
Escolhi a Vivo, sem outro critério que a promessa de eficiência, explicou ele, e solicitei o débito automático das contas em meu banco. Qual não foi a minha surpresa ao constatar um dia uma interrupção súbita da possibilidade de fazer ligações. Após percorrer duas lojas da Vivo acabei constatando que se tratava do seguinte.
Os novos assinantes têm sua possibilidade de telefonar interrompida quando a despesa atinge R$ 300. Ora, para pagar estes R$ 300 e prosseguir usando o celular, é preciso possuir um boleto bancário. Acontece que este só é emitido após 30 dias, o que implica que se eu (ou você) gastar os R$ 300 reais em uma semana, deverá aguardar mais três para poder pagar e sabe-se lá quando irão religar a linha depois do pagamento feito.
Pedi que emitissem um boleto antecipado e nada. Finalmente consegui que me dessem um papel, com o qual fui a uma Lotérica e paguei. Voltei triunfante à loja Vivo e aí me explicaram que agora era preciso esperar … cinco dias para religar. Fiquei uma onça, reclamei tudo que pude, mas nada. No mês seguinte foi o mesmo drama: telefone inativo assim que a conta chegou nos R$ 300…
Foi aí que me explicaram que isto ocorreria “somente” nos três primeiros meses… Só que minha paciência tem limite e este é inferior a três meses. Resultado: cancelei a linha e passei para a TIM. Como será o tratamento que receberei desta? Ainda não sei. Espero que não precise relatar outro caso para a sua coluna.
Deu para perceber a derrapada da Vivo? Um cliente novo, e dos bons, que já começa usando muito o celular, em vez de ser premiado, é punido! E com pena capital: linha cortada!
Ah, é claro, como é que a Vivo iria “dar crédito” para um cliente novo, que ela nem conhece?… E o risco da inadimplência?…
Dá para imaginar que, como de costume nas derrapadas, algum “financeiro” da empresa deve ter imposto este raciocínio esquálido ao marketing e este, provavelmente descerebrado, o engoliu sem mais.
Gente! Nosso leitor tinha tido a coragem de colocar sua conta do celular para débito automático no banco! (eu não tenho, porque não confio no que vão lançar…). Será que pelo menos isso já não era um bom indício de que ele não pretendia “inadimplar”?… E, afinal, para que existem as informações do banco, as referências comerciais, as empresas de informação de crédito e todas as demais precauções que o comércio adota? Será que para celular não valem?…
Pior ainda que esta inacreditável regra para impedir os clientes de gastarem, é: 1) não o avisarem da regra, por ocasião da assinatura; 2) cortarem sem mais a sua linha ao atingir certo valor: 3) não facilitarem a quitação imediata deste débito, obrigando-o a ficar sem usar a linha vários dias, senão semanas (quanto melhor for o cliente, maior será a espera!). Isto mostra que uma derrapada nunca vem sozinha, tem sempre vários coroláriosl
Já entendi. O pessoal da Vivo prefere os clientes que gastam pouquinho e por isso não oferecem risco. Os clientes que gastam muito, que dão bastante lucro, ela os prefere mortos. Por isso faz de tudo para irritá-los bastante até que eles desistam e mudem para a concorrência! É mais um daqueles casos de alta eficiência na arte da eliminação de clientes, descrita pelo meu mestre Gordon Lewis.
Acorde, pessoal da Vivo! Afinal, vocês estão vivos ou mortos? Os clientes não são todos iguais entre si, sabiam? Já ouviram falar em segmentação de mercado? Sugiro irem tomar algumas lições com a turma dos cartões de crédito que, estes sim, sabem muito bem estabelecer limites para os cartões que emitem. Se a pessoa comprova renda, ela é classificada como Gold, Platinum, ou algo do gênero e o seu limite é tão alto quanto necessário, de imediato! E olha que o risco dos cartões é de dinheiro mesmo, e não apenas de impulsos telefônicos que, todos sabemos, se não forem pagos, não geram prejuízo real nenhum para as operadoras. Afinal, estas só vendem “vento”!
Dificilmente se poderia imaginar uma área onde um marketing de relacionamento inteligente possa se aplicar tão bem quanto na telefonia celular, pois é um produto de uso contínuo, que está constantemente inovando nos serviços e é um mercado altamente segmentado. Porém o que a Vivo está fazendo é o contrário disso: nivelar todo o mercado por baixo e cortar o relacionamento, logo de cara, com os clientes mais prometedores, entregando-os de bandeja para os concorrentes. Sorte destes, se forem mais vivos que a Vivo!
Perceberam que eu consegui escrever a coluna inteira sem mencionar que a Vivo pertence àquela empresa de sigla PT?…