Livro das derrapadas no marketing
Um comercial da Skol que está no ar mostra o que seria o sonho de um tomador de cerveja: o garçom sempre aparece, numa fração de segundo, em qualquer lugar, quando o bebedor chama por ele: no bar, na praia, no escritório, etc. No fechamento do filme, o garçom aparece com o sujeito na cama, acompanhado… e aí a gracinha é passar algo como “agora não, meu camarada, não precisa exagerar…”
Transformar os sonhos em realidade, literalmente, não é propriamente uma idéia muito original para um comercial, mas até que esta funcionaria, se não fosse pelo fecho. E por que? Porque fazer metáforas é um recurso legítimo da propaganda. E se elas forem inteligentes, funcionam como forma de reforçar uma idéia e de fazer com que ela seja lembrada. Mas a piadinha final estraga tudo, por uma simples razão: é que piada alguma, por melhor que seja, suporta ser ouvida (ou vista) mais de uma vez, ainda mais se essas vezes forem muito próximas, como é necessário para gerar recall e penetração (no sentido publicitário da palavra…).
A metáfora suporta, até certo ponto, a repetição tão necessária para a publicidade. A piada não. Na primeira vez ela pode até gerar um sorriso de cumplicidade, mas na segunda o sorriso já fica torto, na terceira vira um muxoxo e da quarta em diante a piada passa uma percepção do tipo “essa é velha”… pensamento este que não faz bem a produto algum. Ora, se a publicidade precisa de repetição, mas a piada não suporta repetição, qualquer criativo com QI mediano deveria se abster de fazer graças.
Por que será então que vemos tantos comerciais com piadinhas ou gracinhas, seja no fecho ou no próprio corpo da mensagem? Pela mesma razão que vemos muitos outros absurdos em publicidade: a falta de compreensão por parte de tantos “criativos” de que eles são pagos, pelos clientes, para serem profissionais de vendas, que gerem resultados, e não artistas, nem poetas e muito menos humoristas.
Vendas? Mas que palavra horrorosa para um criativo “genial”, que sonha com Cannes, estatuetas e badalos! Vendas é coisa pra vendedor de pastinha ensebada, desses que fica batendo de porta em porta… Um criativo publicitário é muito diferente disso. Nada a ver, pensa ele…
Será então que ele se considera um profissional de marketing? Afinal, “marketing” parece mais digno do que vendas, pensam alguns que não sabem que o verbo “to market” significa simplesmente colocar no mercado, ou seja, vender. Não, o “geninho” criativo não tem nem sequer esta visão provinciana dos que tomam algo por mais nobre só porque está em língua estrangeira. “Marqueteiro” para ele também é palavrão, principalmente depois que uns e outros andaram sujando as mãos.
O redator e o diretor de arte, quando contaminados por uma arrogante pretensão de superioridade frente aos comuns mortais, acham que a mensagem publicitária é um “ato criativo”, não baseado em nenhum raciocínio lógico, muito menos em pesquisa de mercado (que eles abominam).
Eles acreditam na “idéia”, na “sacada”, e se julgam seres inspirados, superdotados, que concebem uma campanha de propaganda como Beethoven (que eles não apreciam) compunha uma sinfonia, como Dostoievski ou Kafka (que eles nunca leram) criavam monumentos com as suas palavras e como Chagall (que eles nem conhecem) pintava suas alegorias.
Desprovidos de padrões culturais, julgando que o mundo nasceu com eles, os “criativosos” precisam encontrar em algum lugar as fontes para a sua “inspiração”. Esta vem então daquilo a que eles têm acesso: as piadinhas grosseiras de programas de TV tipo “Zorra Total” ou cacetadas do Faustão, as piadas do senso comum, trocadas nas baladas, ou garimpadas nas correntes de emails dos desocupados.
E já que eles não conseguem ser reconhecidos como artistas na plena versão da palavra, como julgam que mereceriam… decidem então ser humoristas e impingem assim as suas piadas sem graça a clientes pouco exigentes que também riem da primeira vez, e aprovam, sem pensar nas seguintes.
Não é porque muitos apelam para o humor em propaganda que ele sempre funciona. Sim, é preciso afirmar alto e bom tom que nem tudo que se faz muito em propaganda é necessariamente eficaz. O meio é particularmente propenso a macaquear o próximo, mas geralmente não copia aquilo que realmente dá resultado para o cliente porque julga que “não tem graça” e não traria prêmios para a agência.
Por anos ouvi criativos reclamarem quando nós, que viemos do marketing direto, lutamos por campanhas sem vergonha (de vender), por mensagens comerciais claras e objetivas, com “call to action” (ou forte reforço da marca) no fechamento, em vez da piadinha final. E eles fazendo aqueles comerciais bem “indiretos”, por vezes enigmáticos ou pretensamente jocosos, mas de qualquer forma incapazes de serem lembrados pelo produto ou mensagem de vendas de quem paga a conta.
Sou capaz de apostar que, muito rápido, a maioria do público-alvo no target deste comercial da Skol não vai ser capaz de responder a esta pergunta: “De qual marca era mesmo aquele comercial que tinha o garçom trazendo a cerveja na cama?”. Gerar lembrança da piada não implica gerar lembrança da marca.