Livro das derrapadas no marketing
Às vésperas do aniversário de São Paulo (25 de janeiro) recebi uma mala direta que quase me fez cair de quatro. “Conheça o presente que a McCann está dando para a cidade, em parceria com a Burti”, dizia a chamada de um bem produzido folder. Dentro, 12 páginas duplas mostrando de um lado um local da cidade, cheio de outdoors, anúncios e sujeira, e do outro, o mesmo local, retocado, com belos gramados e sem outdoors, mostrando como a cidade fica linda sem os “cartazes irresponsavelmente invasivos”, como diz o texto, que se pretende poético (e é todo em caixa alta, quase ilegível).
Uma das maiores agências de propaganda do Brasil (e do mundo) e uma das maiores gráficas impressoras de propaganda dizendo que o mundo fica mais belo sem propaganda?…. Não dá para acreditar que isso possa ter passado. Só pode ter sido cochilo de alguém, em algum vazio gerado pela saída do meu velho e bom amigo, Jens Olesen. Eu o conheço bem, pois fui seu consultor para aquisição de agências… Ele não é inteligente, é brilhante — e também é direto, impaciente e implacável com besteiras. Se consultado, teria soltado um palavrão (em dinamarquês!) a quem apresentasse a ele essa idéia “de jirico” e a derrapada não teria acontecido.
Li no Propaganda & Marketing as reações furiosas dos segmentos afetados, principalmente de outdoor. Eles estão cobertos de razão. Não vou chiar também por este lado, porque já foi (bem) feito por eles. A questão que me preocupa é a mentalidade anti-propaganda que isto revela e que viceja entre nós e, por mais incrível que pareça, até mesmo entre publicitários, que parecem ter vergonha da profissão que têm.
Que existe uma falta de compreensão de uns e outros, principalmente de certos “acadêmicos” em relação à propaganda, todos nós sabemos. Isto é um resquício de “esquerdismos” de outras épocas, em que a propaganda era vista como um instrumento malévolo do capitalismo, cuja função seria enganar as pessoas, fazendo-as comprar o que não precisam… Desta mentalidade (ainda persistente em alguns rincões mais saudosistas, pelo menos até a era Delúbio) “evoluiu-se” para considerar que marketing é sinônimo de enganação, tanto que quando se quer desvalorizar uma iniciativa, se diz que “é puro marketing”, ou “só marketing”.
Que os leigos achem que seria muito melhor um mundo sem propaganda, uma TV sem comerciais, revistas e jornais sem anúncios, internet sem email marketing (pejorativamente qualificado de “spam”) e ruas sem cartazes, até dá para entender, desculpando-os por sua ignorância. Nunca nos cansamos de explicar a eles que este sonho idílico não é realizável simplesmente porque essas mídias não existiriam se não tivessem propaganda… Aí então eles replicam dizendo que a propaganda é muito repetitiva…. e nós novamente temos que dar a eles esta pornográfica explicação de que sem repetição não há penetração…
Mas que publicitários venham com essa de “higienizar” a cidade, tirando das ruas as fiações externas e o lixo (com o que todos concordamos) mas também a propaganda, equiparada assim ao lixo…. aí a derrapada já é muito grave, revelando que a auto-estima desses profissionais anda muito baixa… Será por culpa de Marcos Valério e de seus “clientes”? Ou será porque Duda Mendonça acabou com o charme (cá entre nós superestimado) que exercia esta profissão entre os jovens?
Eu sempre dei pouca importância às premiações de propaganda, tipo Cannes e outras, advogando, pelos clientes, que os concursos só interessam às agências – e que os clientes se interessam por resultados (exceção feita das premiações de marketing direto, de cujos júris participei, enquanto tinham por critério principal os resultados). Hoje devo reconhecer, contudo, que essas premiações têm pelo menos um mérito, que é o de valorizar a imagem da publicidade e de seus profissionais, contribuindo para tirar (ou reduzir) o seu sentimento de culpa de serem “servos do capitalismo” em vez de artistas desinteressados.
Outra bobagem que faz parte deste senso comum anti-marketing é a falsa idéia de que o dinheiro que se gasta em propaganda seria melhor aplicado na melhoria dos produtos ou então que as empresas poderiam baixar os preços se não gastassem tanto em propaganda… E lá temos nós que explicar de novo para esse pessoal que é a propaganda que, aumentando as vendas, permite a produção em maior escala e portanto a diminuição (e não o aumento) dos preços.
Neste nosso país e especialmente nesta América Latina onde ainda há muitos dinossauros ideológicos vendo o mundo com a lente anti-capitalista da década de 50 ou 60, é preciso que nós, profissionais de marketing, estejamos o tempo todo atentos, explicando (e não justificando), sem culpa, a nossa profissão. A última coisa de que precisamos é que de nossas próprias fileiras surja alguém (de peso) endossando bobagens como essa de uma São Paulo livre de propaganda.