Livro das derrapadas no marketing
Eu estou convencido de que a grande parte das contratações de personalidades para fazer anúncios é o resultado do desejo dos publicitários de tirar fotos ao lado delas, escreveu Gordon Lewis em seu genial livro Marketing Mutilado. Neste livro, que eu tive a satisfação de traduzir e editar, ele analisa vários casos de desastres resultantes desta prática, entre os quais a associação da Nike com o jogador de bola ao cesto Michael Jordan, quando este começou a decair e, finalmente, abandonou as quadras.
A bandeira da Nike deveria ser içada a meio pau, escreveu Lewis. Sim, porque afinal, Michael Jordan já não está dando aqueles saltos na cesta… Para milhões de infelizes crianças, Michael Jordan era a Nike, explicou. E no momento em que ele “pendurou as chuteiras” correu-se o risco de todas elas pendurarem os seus Nikes…
Em tese faz sentido que uma marca de produtos esportivos se associe a eventos de esporte, como fez a mesma Nike agora, na copa do mundo de futebol. Porém, ainda assim, em certos casos, essas iniciativas não são isentas de risco, como se viu pelas bolhas no pé de Ronaldinho, que usava chuteiras Nike… E se, de repente, para limpar a barra, a seleção derrotada, na busca de um bode expiatório, resolver que a culpa foi das chuteiras?… E será que agora, muitos consumidores de calçados esportivos, na dúvida, não vão preferir experimentar outra marca?
Se mesmo para produtos esportivos essas associações com jogadores já são arriscadas, o que dizer de produtos e serviços que nada têm a ver com o esporte, como o Banco Santander, que fez dos jogadores brasileiros seus “clientes”?
Para começo de conversa, será que algum consumidor acreditou nos depoimentos decorados e mal recitados por esses jogadores nos comerciais TV deste banco? Será que alguém duvidou um só instante que eles só fizeram isso por dinheiro? E que provavelmente este dinheiro sequer foi depositado neste mesmo banco?… Está aí algo que nem precisa de pesquisa para se saber que não cola…
E agora então, que o Brasil perdeu? Qual torcedor vai optar por abrir uma conta neste banco que, na melhor das hipóteses, será considerado pé frio e, na pior, ficará associado a um luto de pelo menos quatro anos?
Associar a imagem de uma empresa, de uma marca ou de um produto a uma personalidade qualquer, mesmo fora do mundo esportivo, também não é isento de riscos. Amanhã a personalidade é envolvida em algum escândalo, apanhada com drogas, como Maradona, roubando numa loja, como a Winona, pulando a cerca, como tantos, burlando o fisco ou simplesmente morrendo de câncer ou num acidente, como o Ayrton Senna… E aí como é que fica a imagem daqueles que se associaram à personalidade? Anos e anos de construção de imagem e de conquista de mercado podem ir por água abaixo de um momento para outro em função desta monumental derrapada que consiste em associar a imagem com celebridades.
Gordon Lewis relata uma entrevista dada a uma revista de publicidade americana por um diretor da Firestone, em que este fez a ingênua confissão de que estava buscando uma celebridade para ajudar a melhorar a imagem da marca. E completa Lewis: Observe, por favor, que a Firestone não anunciou nenhuma mudança em sua produção ou em seu controle de qualidade. Em vez disso usou este truque grosseiro de apenas chamar a atenção com alguma coisa, em vez de fazer marketing genuíno. Como conclusão, ele explica as vantagens desta prática, para o contratado e o contratante: A personalidade ganha um monte de dinheiro e fica feliz. E nós (publicitários) não precisamos fazer força e ter idéias criativas para melhorar o produto e as vendas, o que nos deixa também felizes.
E como se faz marketing genuíno, segundo Lewis? Apenas e tão somente através daquele mágico coquetel que sempre funciona: a mistura de uma explicação honesta com uma pequena dose de agressividade promocional.
Muito difícil fazer isto? Talvez um pouco mais difícil do que contratar, por milhões, a impressão da marca na camiseta de jogadores. E, com certeza, mais eficiente, mais barato e menos arriscado. Pois, afinal, como fica agora o Guaraná Antartica? Quem vai bebê-lo tranqüilo antes de praticar qualquer atividade física, mesmo que seja apenas uma inocente transa?… Vai que ele dá uma “urucubaca”, como diz o nosso presidente… E quem vai se sentir motivado a comprar um telefone da Vivo, depois de esta marca ficar associada à “morte” da nossa seleção? De repente vão achar que, por ser uma companhia portuguesa, sua torcida não era sincera, estava mesmo é com o Felipão…
Que tal o Santander divulgar diferenciais em bons serviços e praticar taxas mais baixas, o guaraná associar-se apenas a prazeres da vida e a Vivo finalmente respeitar os clientes em vez de aprisioná-los à força com seus “contratos de fidelização”? Certamente haveria muito menos riscos para as respectivas imagens, o resultado final seria bem melhor e o custo bem menor… Mas é difícil (às vezes impossível) convencer um “geninho” publicitário a fazer o óbvio… Até porque o óbvio raramente ganha prêmios em Cannes e alhures.