Livro das derrapadas no marketing

O Unibanco não quer parecer banco, mas é…
Colunista: Antonio Silvio Lefèvre – Edição 31/10/2005

Há cerca de duas semanas eu li num veículo do trade (acho que foi no Propaganda & Marketing) um desses anúncios grandes, de página inteira (ou quase) assinado por uma agência, que se vangloriava de seus feitos, entre os quais a campanha feita para o Unibanco, que utilizou o slogan  “O banco que nem parece banco” , classificada no texto como “sacada genial” ou algo do gênero…

Para mostrar como minha análise é feita sem preconceito, eu garanto que não me lembro qual era a agência anunciante e nem me preocupei em checar isso agora, para evitar qualquer constrangimento, caso tenha amigos por lá… É interessante notar, contudo, que o anúncio da agência não deve ter sido muito eficaz para esta, porque não deixou recall (pelo menos comigo) sobre o anunciante…

Minha crítica não é (apenas) a este anúncio, mas principalmente a esta campanha do banco “que nem parece banco” que foi “cometida” por esta agência e que foi acompanhada por outra para a seguradora do mesmo banco, que também “nem parece uma seguradora”.

Minha experiência em pesquisa me permite até adivinhar os fatos que devem ter precedido a decisão de lançar esta inacreditável campanha. Devem ter feito alguns “focus groups” em que detectaram que a categoria bancos e a categoria seguradora não são vistas propriamente com muita simpatia pelos consumidores… O que, aliás, não é de espantar ninguém. Ou é?

Ou seja, deve ter ficado difícil para o pessoal da agência (e do cliente) definir os diferenciais do Unibanco em relação aos concorrentes, nestas duas categorias, provavelmente por não existirem ou serem  pouco relevantes aos olhos dos consumidores. E, de repente, até por serem virtuais, ou seja, só por essas associações que os publicitários gostam de fazer com celebridades que se fazem passar por clientes…

Alguém então na agência deve ter tido esta brilhante idéia. Que tal “pegar carona” nesta rejeição das categorias e partir exatamente dela, dizendo que o banco nem parece banco e a seguradora nem parece seguradora?…

Adivinhando de novo o roteiro deste filme “noir”, imagino que a idéia tenha deixado muita gente no cliente realmente hesitante… Aliás, com boas razões! Até que alguém com espírito “aberto” e “avançado” no marketing do cliente decidiu bancar o conceito, convenceu as instâncias superiores… e lá se foi a campanha para o ar.

Como ex-pesquiseiro, fico imaginando o que apareceria em novos focus-groups em que se fizesse (seriamente) a avaliação da percepção de que conceitos esta campanha passou e do que ficou dela na mente do consumidor em termos de credibilidade.

Gente! Será que alguém pode ter dúvida de que efeito pode ter uma campanha que assume como verdadeira a imagem negativa da categoria? Será que algum consumidor que já tinha uma imagem negativa dos bancos e das seguradoras terá ficado com uma imagem menos negativa ao ser atingido por uma campanha que reforça a percepção que ele já tinha?

Será que ninguém adivinha que esta campanha, ao dizer que este banco “nem parece banco”, está também dizendo que, afinal de contas, ele “é” um banco e ela “é” uma seguradora?  (pois se não fossem, nem caberia a comparação). Ora, se a própria campanha diz que “é” um banco e “é” uma seguradora e a percepção dessas categorias é negativa, o que esperar disso senão um reforço da percepção negativa? Ou será que alguém é tão ingênuo a ponto de achar que o consumidor vai acreditar que, se o comercial mostrar um gerente sorridente oferecendo cafezinho ao cliente (que, só por acaso, é um artista de novela), este banco é tão diferente dos demais a ponto desta diferença fazer contra-peso à imagem negativa da categoria, divulgada pela própria campanha?…

Este é um perfeito exemplo daquelas campanhas “criativosas” a que se refere o meu mestre Gordon Lewis e que se destinam não a vender o produto do cliente (o banco, a seguradora) mas sim a vender a “genialidade” da própria agência e, se possível, fazê-la ganhar alguns prêmios publicitários que, para ela, fazem diferença mas para o cliente não querem dizer nada (ao contrário, muitas dessas campanhas que ganham prêmios deviam é fazer o cliente ficar bem alerta sobre quem realmente é o beneficiário delas). A prova de que esta auto-promoção da agência era o objetivo real da campanha do banco está no próprio anúncio que ela veiculou, vangloriando-se da própria derrapada…

Lembro-me de outra campanha que “apelou” para esta mesma abordagem suicida do banco que não quer parecer (mas é..) banco. Quando lançaram no Brasil o refrigerante Schweppes, a chamada da campanha foi “Você precisa se acostumar com o sabor de Schweppes”… assumindo assim que o gosto não seria do agrado do consumidor. Só sei de uma coisa: eu que já gostava de Schweppes porque havia tomado muito este refrigerante na França, nos tempos de estudante, hoje tenho dificuldade de encontrá-lo nos supermercados do Brasil. Imagino que ele não “pegou” e certamente esta campanha deve ter ajudado bastante a afundar a marca, desde o início.

Por que será que tantos “criativos” resistem tanto a fazer o óbvio, ou seja, campanhas bem produzidas, que vendam os benefícios reais de um produto ou serviço e reforcem os atributos positivos de uma marca ou de uma categoria, em vez de ficarem inventando moda ou fazendo gracinhas? Depois se queixam quando um anunciante de comerciais tão óbvios como os das Casas Bahia fica em primeiro lugar no ranking e torcem o nariz para o que chamam de “varejão”. Garanto que o Samuel Klein não está torcendo o dele! E duvido que ele se preocupe com prêmios publicitários.

Não estou erigindo as campanhas das Casas Bahia em modelo. Mas tenho por elas um grande respeito porque sei que são voltadas para resultados (do cliente, não da agência). E certamente devem estar produzindo esses resultados.

Cada caso é um caso e cada empresa tem seu mercado e seu estilo próprio, que imprime à sua marca e a seus esforços de venda através da comunicação. Mas é preciso lembrar bem desta palavra “venda”. Pois, afinal, não é disso que se trata em marketing e propaganda, finalmente? Ou será que o Unibanco e sua seguradora não querem vender seus produtos ao mercado e estão querendo apenas desmoralizar o sistema bancário do país? Com essa derrapante campanha já ajudaram certamente a atingir este último objetivo.