Livro das derrapadas no marketing

O silêncio dos nossos carneirinhos
Colunista: Antonio Silvio Lefèvre – Edição 07/04/2008

O título original do premiado filme “O silêncio dos inocentes” é “The silence of the lambs”, sendo que “lambs” é o designativo para carneirinhos, que caminham em silêncio para o abate, como as jovens mulheres vítimas do psicopata canibal do filme, que tira (literalmente) a pele de suas vítimas.

Como carneiros caminhando submissos para o sacrifício ritual, nosso mercado vai engolindo, em silêncio, todas as violências que são perpetradas contra a liberdade de expressão e comunicação. Na “comemoração” de um ano da lei “Cidade Limpa”, que proibiu os outdoors e cartazes em São Paulo eu não vi, por enquanto, nenhum protesto. Parece que todos se conformaram com este atentado à liberdade, esta violência cometida contra uma mídia inteira. Pior ainda: só leio, em outras mídias, elogios mais ou menos rasgados a esta arbitrariedade, parecendo que ficaram todos felizes e contentes com a “solução final” para o problema da “poluição visual”… este “problema” que ficou em primeiro lugar no ranking das prioridades do energético prefeito de São Paulo, passando à frente das crianças que mendigam nos faróis, das ruas esburacadas, do trânsito infernal, da violência brutal das ruas e da poluição que realmente incomoda, que é a da fumaça e barulho dos caminhões no meio da cidade.

Parece que ninguém na mídia se toca que, ao aceitar a “solução final” de extermínio de uma mídia, como a de Hitler com os judeus, abriu-se um perigosíssimo precedente para as demais mídias que, amanhã, podem ser proibidas também, seja de escrever o que querem, seja de simplesmente existirem, caso se julgue que estão escrevendo o que não devem… ou que estejam “poluindo” demais a audiência com seus anúncios.

Uma tentativa neste sentido já não foi feita na mesma cidade, de proibir os jornais gratuitos que se julgou estarem “exagerando” na proporção de publicidade? Quem garante que amanhã não vão fechar também estações de TV, como fez Chavez na Venezuela, alegando que “poluem” as mentes do público (leia-se eleitores) ou em nome do combate ao “terrorismo midiático”, como gostam de dizer o cantinflesco ditador bolivariano e seus seguidores patrícios, que encaram críticas como crime de lesa majestade e sonham com uma mídia estatal, hegemônica. Ou então simplesmente alegando que a TV comercial tem propaganda demais…. E não faltará uma claque “despoluidora” para aprovar o fim da propaganda na TV e com isto, o fim da TV livre entre nós.

Outra mídia que é vítima preferencial de violências é a internet, onde não passa dia sem que haja alguma tentativa de censurar sites, blogs ou conteúdos que, de alguma forma, se julgue inoportunos por detentores do poder político e econômico. Exemplo disso foi o recente projeto apresentado no Senado para coibir críticas políticas através da Internet, felizmente tirado da pauta devido à rara (ufa!) reação negativa que gerou na imprensa.

E agora temos o TSE proibindo campanha política na internet… e não vi ainda ninguém reclamando deste absurdo. Que sejamos invadidos, isto sim, pela propaganda eleitoral “gratuita” na TV aberta, onde não temos opção a não ser desligar o aparelho, parece que tudo bem. Mas na internet, que dá à audiência a possibilidade de, com um simples clique, mudar de “canal”, estão achando normal que não possa haver propaganda política!

Quando ao email então, é o carneirinho preferido para ir o abate. Parece que existe uma verdadeira unanimidade em considerar que toda e qualquer propaganda por email é “spam” e por isso nefasta. Tanto que, nos sites de nossos principais provedores, o  “spam” é definido, simplesmente, como mensagens de propaganda, que são formalmente proibidas pela política de “proteção à privacidade” dos internautas.

Ora, se provedores privados se julgam no direito de proibir esta mídia e de censurar o conteúdo de emails a fim de checar se tem “cheiro” de propaganda e por isso devam ir para a lixeira, o que mais podemos esperar senão que algum outro “energético” político, com ou sem bigodinho, venha amanhã apresentar um projeto simplesmente proibindo o email marketing? Já há fachistóides enrustidos achando que existe lei proibindo o “spam” e fazendo denúncias contra empresas que têm a ousadia de lhes enviar uma mensagem comercial por email. Se a proibição de emails com propaganda eleitoral “pegar”, será um passo para que amanhã proíbam também outros conteúdos. Afinal, no que a propaganda eleitoral é tão “pior” do que a comercial?

Está mais do que na hora de acordarmos todos para os enormes perigos que ameaçam a nossa liberdade de expressão, em toda e qualquer mídia, sem discriminação. Não adianta pensar, como alemães arianos, que a perseguição era apenas contra os judeus e que os “puros” e bem comportados (leia-se submissos) seriam poupados.

Enquanto uns e outros entre nós, que têm o poder de levantar a voz em defesa das liberdades, se comportarem como carneiros e preferirem o silêncio (ou a conivência, ou o aplauso), achando que a “sua” mídia será poupada, eles estarão apenas se posicionando um pouco mais atrás na fila dos carneirinhos que caminham para o sacrifício. Se não protegerem com todas as forças os que estão no começo da fila (os outdoors, os jornais gratuitos, a internet, os emails…) a sua pele irá sendo arrancada ao poucos, como a das vítimas do canibal do filme, até que chegue a hora do seu juízo final.  E aí já será tarde demais para gritar “liberdade!”