Livro das derrapadas no marketing

O Programa de Infidelidade da TAM
Colunista: Antonio Silvio Lefèvre – Edição 18/08/2005

No dia 13 de agosto recebi um email da TAM com o assunto “Adequação de categoria” e com o texto abaixo:

[Para facilitar a visualizacao este email foi escrito sem acentuacao]

PREZADO….

Cartao Fidelidade nº: …

Com o objetivo  de ajuda-lo(a) a controlar a quantidade  de pontos necessaria para cada categoria, informamos que para permanecer na categoria AZUL voce precisara acumular 12000* pontos de voos ate o dia 31/12/2005. Lembre-se que a cada viagem de ida e volta na America do Sul voce  ganha 2500 pontos . E se voce fizer uma viagem entre a America do Sul e America do Norte, por exemplo, voce ja ganha 12500 pontos!

Nao deixe de acessar www.tam.com.br para  se manter sempre informado sobre as promocoes especiais da TAM, assim como para consultar seu extrato de pontos atualizados.

Contamos com sua presenca em nossos voos e permanecemos a disposicao.

Atenciosamente,

PROGRAMA FIDELIDADE TAM

Deu para perceber a derrapada, apesar da falta de acentuação? (aliás um recurso descabido, para quem está no Brasil, pois todos nossos computadores lêem acentos).

Pois bem, a TAM está, descaradamente, me ameaçando de rebaixamento no meu “status” caso eu não faça pelo menos 5 viagens de ida e volta para algum país da América do Sul nos próximos 5 meses, ou seja, uma por mês! Ou então que eu viaje uma vez para a América do Norte que, na “tabela” da TAM, vale cinco vezes mais que a do Sul… (coitados de nós, sulistas!)

Lá isso é jeito de conseguir manter a fidelidade de um cliente? Sob ameaça?…. Debaixo de uma verdadeira chantagem?… Não é preciso ser nenhum Duda Mendonça para perceber que essa derrapada é das “brabas”! Se o saudoso Comandante Rolim ainda estivesse entre  nós, com aquela sua enorme sabedoria e charme, eu que o conheci, sei que ele daria um belo puxão de orelhas no “marketeiro” que teve a infeliz idéia de aplicar este verdadeiro plano de “infidelização” de clientes, como diria o meu mestre Gordon Lewis – que aliás relata um case bem semelhante a este nos Estados Unidos, em seu livro  Marketing Mutilado.

A TAM é, aliás, reincidente nesta prática de marketing de relacionamento ao contrário. Há um ou dois anos atrás, eu recebi uma carta de mesmo teor que esta, com a qual me ameaçaram de rebaixar da categoria vermelha (a mais alta deles, que eu tinha então) se eu não fizesse o que, na época, correspondia a umas duas ou três viagens para a “América do Norte”.

Naquele momento, por coincidência, eu estava mesmo planejando uma das minhas muitas viagens aos Estados Unidos, para contatos com as universidades que representamos. Ocorre que a TAM só vai via Miami, o que me obrigaria a conexões desagradáveis. E, de qualquer forma, isto de nada adiantaria para manter o meu “status”, porque uma viagem só não seria suficiente para continuar no “vermelho” (no sentido positivo, para a TAM).

Assim, viajei de American Airlines, em cujo plano AAdvantage as milhas conquistadas, inteligentemente, nunca expiram. E fui rebaixado para Azul na TAM, que agora, certamente, vai me confiscar esta cor também…

Com certeza, o pessoal da American deve ter percebido, estudando um pouco o mercado, que há viajantes, como eu que, em alguns momentos de sua vida, precisam viajar muito, em função de compromissos pessoais ou profissionais. E que, em outros momentos, viajam menos. Ora, penalizar um cliente que viajou muito só porque, depois, ele passou a viajar menos equivale praticamente a pedir a ele que, ao viajar de novo, o faça por outra companhia! É por isso que falei em marketing de relacionamento ao contrário.

Infelizmente, em se tratando de empresas aéreas, nenhuma é perfeita em matéria de marketing e, aliás, por isso mesmo, Gordon Lewis dedicou todo um capítulo a elas em seu livro. A própria American, recentemente, mandou uma cartinha nada simpática à minha mulher, avisando que seu cartão Gold estava expirando… e que ela poderia mantê-lo pagando US$ 150…  A grande (e aliás única) vantagem deste cartão é que ele permite fazer o check-in com a classe executiva, mesmo sem viajar nela… e isso significa às vezes evitar uma longa fila em Cumbica… e em aeroportos americanos. Mas fazer o cliente pagar por menos fila também já é demais… Entretanto, pelo menos uma vantagem tem a American sobre a TAM: as suas milhas nunca vencem!

A lição a tirar deste case é que um cliente que já comprou muito de nós merece ser “paparicado” por toda a vida! Nenhuma empresa, com um mínimo de bom senso em marketing,  pode se dar ao luxo de pressionar um bom cliente para que ele continue a comprar no volume e no ritmo que a empresa desejaria. Oferecer a ele vantagens especiais, isto sim. Descontos especiais de volume, ótimo. Mas penalizar o cliente se ele não cumprir as nossas expectativas é algo tão espantosamente absurdo que ninguém precisa fazer um MBA em Harvard para perceber a derrapada.

Se um cliente da empresa aérea ficou 5 anos sem viajar, pode-se fazer muitas suposições sobre isto: que ele morreu (é bom checar isso antes de pressionar o defunto a dançar tango 5 vezes em Buenos Aires!); que ele mudou do emprego ou da atividade que o fazia viajar; que ele agora está viajando para outros destinos, onde a companhia não chega; ou, finalmente, que ele continua viajando bastante, só que por alguma empresa aérea concorrente, que tem mais opções, melhor preço ou que o tratou melhor…

Programas de fidelidade ou marketing de relacionamento só fazem sentido se, por trás deles, estiver uma séria intenção da empresa de favorecer os clientes mais fiéis e não de querer tirar proveito imediato deles, ou achar que pode direcioná-los para onde a empresa quiser, como se os clientes fossem robôs que obedecem a comandos. Os marketeiros podem, às vezes, não saber avaliar as derrapadas que fazem, mas os clientes certamente sabem. E eles costumam dar o merecido castigo aos marketeiros muito afoitos em mostrar “resultados” ao chefe, a qualquer preço, ainda que assumindo o risco de estes aparecerem na coluna das perdas.