Livro das derrapadas no marketing
Há anos já que venho gritando contra a censura, mais do que isso, contra a criminalização do email realizada pela maioria dos provedores de internet no Brasil. O email marketing, para eles, não existe. Qualquer mensagem que se envie para grupos de pessoas, sejam elas clientes ou simplesmente amigos ou participantes de grupos de discussão, é considerada “spam”. Na melhor das hipóteses, a mensagem é encaminhada, antecedida pela acusatória palavra “spam”. E na pior das hipóteses o remetente é considerado “spammer” e punido até com expulsão do provedor e fechamento arbitrário de seu site.
Com exceção daqueles que fazem do email uma ferramenta de negócios e que são atingidos diretamente pela verdadeira perseguição que sofre esta mídia, reina uma perigosa apatia quanto a este tema entre as entidades que deveriam defender a liberdade de expressão e o desenvolvimento e aperfeiçoamento do uso deste formidável meio de comunicação que é o email, em particular a ABEMD, que teria a obrigação de ser a primeira a se mexer. Há dois anos já que eu, como conselheiro, tento fazer esta associação tomar uma atitude, mas não sou ouvido.
Esta apatia, mais do que isso, esse descaso (quiçá explicado por outros inconfessáveis interesses) é extremamente perigoso, porque no momento em que se aceita que seja lícito entrar no mérito do conteúdo de uma mensagem e, em função deste, simplesmente censurá-la ou então suprimi-la, se está entrando no terreno da repressão à liberdade de comunicação, o mais importante e sagrado atributo das civilizações que merecem este nome.
Considerar lícito censurar a mídia email, tachada pejorativamente de “spam”, sob pretexto de que alguns deles são maliciosos ou simplesmente porque contêm propaganda “não solicitada” (como se alguma pudesse ser solicitada, em qualquer meio…) é o mesmo que criminalizar a TV porque tem programas que não agradam a alguma audiência ou censurar revistas e jornais porque publicam matérias que não agradam ao poder de turno ou proibir o telemarketing porque algumas empresas nos perturbam com ligações indesejáveis. Ou então, para ficarmos mais próximos de nossa realidade atual: proibir todos os outdoors porque alguns são irregulares ou interditar o celular porque criminosos fazem uso deles nas prisões…
O ovo da serpente nazista, quando ainda no seu início, parecia circunscrito a alguns elementos julgados então nocivos: judeus, ciganos, comunistas, homosexuais… “Cuidava” deles apenas a Gestapo. Porém no instante em que se aceitou passivamente que este ovo se desenvolvesse, outros milhões de cidadãos, auto-investidos de fiscais, vieram se juntar à repressão e as vítimas se transformaram também em milhões. Sobreveio então a barbárie.
O email é apenas a primeira vítima, é o “judeu” das mídias, a mais fácil de culpabilizar, até mesmo porque a de uso mais disseminado, a mais democrática e sem lobby para protegê-la. Não defendê-la explicitamente implica, ao contrário, aceitar que se difunda o preconceito que picha como “spam” todo email de propaganda. Não adianta se iludir, adotando “boas maneiras” no email, como faziam os ingênuos na Alemanha, achando que, ficando bem “comportados”, não se chegaria até eles. Chegam sim, e em certos casos recentes até já chegaram.
Enquanto ficam falando de “netiqueta”, a realidade dura e crua é que, em relação à repressão ao email, nós estamos entrando numa espiral perigosa em que mil e um “fiscais” auto-proclamados, públicos e privados, em provedores e em empresas privadas, se julgam no direito de estabelecer critérios para censurar e barrar emails destinados a seus clientes ou funcionários. Seus critérios vão desde a presença da palavra “newsletter” ou da palavra “você” ou de pontos de interrogação e exclamação na linha do assunto, até (pasme!) o fato do email conter uma frase solicitando para remover o destinatário da listagem… Ou seja, exatamente a postura “politicamente correta” de dar ao destinatário a opção por não mais receber emails daquela origem, é razão para censurar o próprio email! Em vez de dar ao destinatário do email a autoridade única e exclusiva para decidir o que lhe interessa ou não, os mini-gestapos de aqui e acolá resolvem fazer por eles este serviço… com critério próprio, da mesma forma que os censores das ditaduras de ontem e de hoje julgam o que deve ou não deve ser lido, visto ou ouvido pelos cidadãos.
Num regime democrático, a violação de correspondência, como a violação do segredo bancário, é crime (vide o “case” caseiro). Aqueles que censuram os nossos emails são criminosos, embora talvez se considerem “heróis” ou defensores da “privacidade”, como reza a ideologia fascistóide da moda que procura justificar o que chamam de “anti-spam”. E aqueles que se calam são seus cúmplices.
Precisamos botar novamente os pingos nos iis sobre alguns aspectos básicos da mídia email, para ver se uns e outros finalmente acordam: 1) nenhum endereço de email é secreto ou protegido se tiver sido divulgado de alguma forma na internet; 2) enviar um email de propaganda a alguém é tão lícito quanto enviar uma mala direta; 3) não há porque pedir autorização prévia para enviar um email promocional a alguém: se qualquer mídia fizesse isso estaria se condenando à morte; 4) nenhuma pessoa normal se sente “invadida” ou “violentada” porque recebeu um email de propaganda; 5) quem não se interessa por uma mensagem, que simplesmente a delete, da mesma forma que joga no lixo uma mala direta, vira uma página de revista ou muda de canal na TV. Liberdade é isso e simplesmente isso: o direito de comunicar e de poder ler ou não ler, ver ou não ver. Qualquer outro argumento é fruto de mentes doentias e nutrição para o ovo da serpente.
Está mais do que na hora (aliás até passando da hora) das entidades ligadas às comunicações, à propaganda e à liberdade de imprensa, bem como o ministério público e os três poderes olharem com carinho para esta questão e começarem a garantir a liberdade do email contra as investidas dos censores privados. Sim, porque deixando crescer o ovo da serpente, seus filhotes podem vir a envenenar todas as mídias e, com elas, toda a sociedade. Mais cedo do que se imagina, como já se começa a ver com o outdoor e o celular…