Livro das derrapadas no marketing

O Itaú não quer o seu dinheiro. E também não quer (muito) ouvir você…
Colunista: Antonio Silvio Lefèvre – Edição 17/10/2005

Houve época em que os bancos brasileiros pagavam juros automaticamente aos clientes para qualquer dinheiro depositado. Muito lógico, aliás, porque todos sabemos que o dinheiro que o banco empresta a um cliente (a juros lá em cima) provém daquele depositado (por juros lá embaixo, ou sem juros) por outro cliente. Ou será que alguém imagina que ele sai do bolso do banqueiro?

Com o passar do tempo os bancos pararam de pagar juros e foram se julgando no direito de cobrar tarifas dos clientes. Nos tempos mais recentes, a “desculpa” para isso veio da queda da inflação na era FHC, que pôs fim ao “lucro inflacionário” (como se não houvesse lucro bancário antes da alta inflação da década de 80…). Coitadinhos dos bancos, devem ter pensado os clientes mais “fiéis”… Afinal era preciso dar a eles alguma compensação pelo que perderam com a queda da inflação…

Pois é, mas eles se acostumaram com essa história de cobrar tarifas por tudo, a começar pela própria “manutenção da conta” (como se não fosse justo que arcassem pelo menos com o custo administrativo de cuidar do dinheiro que lhes colocamos nas mãos a custo zero…). E, pela força do hábito, um deles, o Itaú, começou a cobrar até para os clientes depositarem dinheiro em suas contas!

Com certeza outros bancos devem estar fazendo o mesmo, não tenho ilusões. Mas o meu espanto foi com o Itaú, onde venho mantendo contas, pessoais e de empresas, desde a década de 70. Afinal, é ou não é de espantar que numa conta pessoal simples só se tenha direito de fazer 12 depósitos em cheque ou dinheiro por mês, entre o guichê do caixa e o terminal eletrônico, sem pagar tarifa? E que numa conta de empresa (com uma movimentação bem razoável…) só se possa depositar 25 cheques por mês? Por cada um dos depósitos “excedentes” o Itaú cobra R$ 1,05!!!

Imaginem um feirante, um posto de gasolina ou uma loja qualquer, que receba muito mais do que 25 cheques de clientes por dia, não por mês… em grande parte de valor pequeno. Pagar ao banco R$ 1,05 para depositar um cheque de R$ 10, por exemplo, equivale a 10,5% do valor! Isto equivale a dar um participação societária para o banco, sem riscos.

O que é que uma empresa dessas vai fazer? Certamente aquilo que eu fiz na minha: procurar outro banco que não cobre para receber os cheques e botar o dinheiro nele… Será que é isso que o Itaú quer? Será que lá também os marketeiros fizeram MBA naquela arte de “eliminação de clientes” a que se refere o meu mestre Gordon Lewis?

Conheço bem o marketeiro-mór do Itaú, o meu dileto amigo Matias, que foi inclusive um dos autores de um livro que organizei e onde se contam as experiências pioneiras do marketing direto no Brasil. (Marketing direto ao vivo no Brasil, Makron Books, 1994)

Tenho dúvidas de que ele tenha conhecimento desta questão pois, hoje como VP,  já está muito nas alturas. Mas, apesar da amizade, não posso deixar de anotar esta triste derrapada do seu time. Que cobrassem tarifa de tudo, menos dos depósitos, pelo amor de Deus… Afinal, isso é um contra-senso e pega muito mal para os clientes. Certamente os responsáveis  do banco devem ter mil e uma explicações “técnicas” para justificar essa cobrança, mas nunca conseguiriam convencer nenhum cliente com elas. Contei isso para meu genro, norte-americano, e ele achou que eu estava brincando! Nunca ouvira falar de banco cobrar para receber depósito.

Aliás, por falar em clientes, o Itaú cometeu recentemente uma derrapada de marketing muito pior. Em uma campanha, lançada no início de agosto, e intitulada “Ouvir você”, o banco divulgou mensagem na TV e diversas mídias, inclusive outdoors, estimulando os seus clientes a comunicar suas dúvidas e reclamações e prometendo resposta em até 5 dias.

Gente! O Itaú e as suas coligadas faz pesquisas de mercado há décadas (eu e minha sócia até fizemos muitas delas) e sabe muito bem que não é preciso ouvir o mercado todo para identificar os problemas. A simples lista das reclamações que chegam espontaneamente ao banco, com avaliações posteriores por amostragens quantitativas e/ou por abordagens qualitativas, certamente já dá aos marketeiros do banco o retrato exato de onde estão os problemas apontados pelos clientes e quais são as possíveis soluções. Uma conversinha com os gerentes de agências (pelo menos com os melhorzinhos) também já deve trazer muitos dados…

Por que então sair na TV e nos outdoors para falar com os clientes aos quais podia se dirigir diretamente, pois certamente conhece seus nomes e endereços?

A razão é óbvia. O objetivo do banco, com essa campanha, certamente não foi o de levantar problemas, visando atender melhor os seus clientes, nem o de dar um efetivo atendimento aos clientes, mas sim o de mostrar aos não clientes que ele se preocupa com os clientes… para eventualmente convertê-los em clientes. Em outras palavras, o Itaú fez uma pseudo-consulta, de cujo resultado não precisava (porque já o conhecia previamente), só para promover uma imagem de banco “bonzinho” com os clientes.

Isso é algo que, sem dúvida, salta de imediato à vista dos clientes mais atentos do Itaú, não contribuindo em nada para a boa imagem do banco. Mas adivinhe o que acontece com os outros clientes, normalmente mais “desfocados”, que porventura identifiquem algum problema agora, neste início de outubro e, lembrando-se da campanha de agosto, busquem o canal para fazer a sua reclamação?

Pois é isso que você talvez já tenha adivinhado: este canal de acesso simplesmente não existe ou, se existe, está muito bem escondido! Pelo menos no site do Itaú, que ele estimula os clientes a usar para poupar mão de obra na agência, não há nenhum link para fazer as tais reclamações ou sugestões. Nem sequer o famoso “Fale conosco” que qualquer empresa com uma mínima preocupação em ouvir (de verdade) os clientes não deixa de oferecer. Procurei até no mapa do site… e nada! Só tem um link para mandar emails para o “seu gerente”. Mas esse já existia muito antes da campanha e eu sei que nunca vem resposta aos emails que a gente manda (já testei isso várias vezes e um gerente mais esclarecido do Itaú me explicou, confidencialmente, que uma norma interna do banco os orienta a responder só por telefone, para não comprometê-los com coisas escritas…). Só que raramente eles dão a resposta, mesmo por telefone, possivelmente por estarem sobrecarregados (ou será por temerem que o cliente grave a conversa?).

Resumo da ópera: o tal canal do Itaú para “ouvir você”, anunciado com tanto estardalhaço na mídia, era só show. Se canal houve deve ter sido apenas durante a duração da campanha. Depois dela, afinal, para que serviria ouvir os clientes se, afinal, o marketing sabe direitinho o que eles querem e sabe também muito bem o que o banco quer e o que não quer atender?…

Agora eu pergunto. Será que o marketing do Itaú, a despeito da sabedoria do amigo Matias, sabe mesmo o que fazer para conquistar e manter clientes? Para conquistar pode até ser, apesar de eu ter dúvidas sérias sobre a credibilidade e eficácia de campanhas em que o banco se pretende especialista em todos os tipos de segmentos. (todos sabemos que quando o foco está em todos, não está em nenhum!). Mas para manter os clientes, cobrando 1 Real por cada cheque que eles depositam?… E criando um canal de reclamações que eles não conseguem achar? Acho bem difícil.

Cuidado, pessoal. Costuma demorar muito para uma empresa chegar no topo, como vocês. Mas para derrapar ladeira abaixo às vezes é questão de dias. Basta que muitos clientes comecem a reclamar pelos jornais, já que não conseguem reclamar no banco, e outros comecem a debandar para a concorrência.

Última forma: Será coincidência ou reativação de campanha?

No dia mesmo da publicação da minha coluna apareceu um ícone tipo flash na tela do banco na Internet com um link O Itaú quer ouvir você…  Para vocês não acharem que estou mentindo ou que estou cego, esclareço que este link não estava no site do banco quando preparei esta matéria, na semana passada.

Este link está agora (17/10) no meio da página, no espaço normalmente utilizado para promoções e não integrado ao menu normal das opções do banco, como seria de se esperar se a intenção de ouvir o cliente fosse algo permanente.  Clicando nele, vem uma lista de sugestões de contato, com uma clara gradação de peso. Em primeiro lugar, em tamanho grande, “Procure sua agência”. Em segundo, tamanho menor, “telefone”. Em terceiro, um pouco menor, Chat”. E em quarto e num tamanho mais reduzido, “Email”, justamente a opção mais lógica para se fazer um reclamação, pois obriga moralmente o banco a responder por escrito. Será que o banco responde mesmo por escrito ou será que alguém irá telefonar para tentar contornar a questão sem deixar registrado, como fazem quando tentamos o contato via email com os gerentes? Eu testei para checar.   

A explicação para o súbito aparecimento do link no site possivelmente esteja ligada a uma reativação da campanha “Ouvir Você”, que já andava “devagar” (ou quem sabe parada) e que voltou à mídia neste fim de semana. De repente, quando há campanha há canal de resposta e quando acaba tiram o canal…

De qualquer forma, embora a existência (ainda que tardia ou intermitente) deste canal de resposta minore o tamanho da derrapada do Itaú neste aspecto (não no fato de não querer os nossos depósitos!)  fica evidente que o desejo do banco é que as reclamações sejam feitas verbalmente, na agência. Este fato é contraditório com o esforço permanente deste banco em afastar o cliente da agência, estimulando-o de todas as formas a efetuar transações à distância. Por que justamente para reclamar o cliente deveria ir à agência e não fazê-lo via Internet? Conhecendo o tempo de espera nas agências para falar com um gerente (haja chá de cadeira!), imagino que a maioria dos que seguirem a indicação desta campanha desistirá na primeira tentativa. E recomendar ao cliente o caminho mais difícil para fazer uma reclamação não me parece uma postura de quem realmente quer ouvi-lo e muito menos solucionar o seu problema.

Tudo isso não explica também o fato do Itaú ter usado mídia de massa para comunicar este serviço a seus clientes, aos quais pode ter acesso direto. Fica evidente, de qualquer forma, que a campanha é mais para ser vista do que realmente para proporcionar o atendimento e a resolução de problemas.  

Em tempo: coincidência ou não, depois de um simpático telefonema do amigo Matias que trocou idéias comigo sobre o tema, a cobrança por depósito em cheque deixou de ser feita e os links para ouvir os clientes começaram a aparecer de forma mais explícita.