Livro das derrapadas no marketing

O celular que pegou mal
Colunista: Antonio Silvio Lefèvre – Edição 07/05/2007

Depois de 25 anos trabalhando em comunicação, esta é a primeira vez que eu participo de uma campanha publicitária. Sabe por que? Porque a Vivo está revolucionando o mercado e inaugurando a era da qualidade de ligação e da qualidade de ofertas. Este é o compromisso da Vivo com seus clientes. Afinal, oferecer um celular que pega é um sinal de respeito por você.

Com esta fala, num recente comercial da Vivo, o publicitário Roberto Justus desencadeou uma verdadeira avalanche de emails para essa coluna, apontando várias derrapadas, questionando sobre outras e acompanhada, evidentemente, de um festival de gozações bem merecidas por uma empresa que é campeã de reclamações junto aos usuários e um publicitário cuja intensa exposição na mídia e “em sociedade” o torna um alvo predileto até de humoristas, como Tom Cavalcanti.

Eu já tinha rido quando vi este comercial na TV mas quis revê-lo em detalhe, para escrever esta coluna e, evidentemente, procurei o site da agência Y&R. Só que lá não tem essa campanha: a última da Vivo apresentada é velha de vários meses. Será que estão com vergonha de colocar este vexame no porfolio?… Sabem onde fui achar o filmete? Foi no Youtube, onde ele está, merecidamente, disputando audiência com a transa da Cicarelli no mar e o enforcamento do Saddam Hussein. Se era esta a audiência que ele buscava, sem dúvida conseguiu: nada mais “justus”.

A primeira enorme derrapada do nosso herói foi não se tocar, mesmo com 25 anos na publicidade, que dono de agência não tem a menor credibilidade para dar depoimento sobre qualidade de produto do cliente. Testemunhais de personalidades já são muito questionáveis, porque ninguém acredita neles: todo mundo sabe que foram dados em troca de gordíssimos cachês. Mas fazer um testemunhal do dono da agência que está faturando com o comercial é subestimar totalmente o QI do público-alvo.

Para tentar explicar como possa ter surgido esta idéia tão “criativa”, imagino que talvez o Justus se considere uma personalidade tão famosa e com tanta credibilidade que esteja acima dessas trivialidades. Mas tão espantoso quanto esta pretensão a formador de opinião é ele não ter percebido, em 25 anos, que pode ser um empresário muito bem sucedido, mas não tem (nem precisaria ter) muito talento para ator… Sua fala é um script mal decorado, sem nenhuma espontaneidade. Se ele pretendia dar a este testemunhal um toque pessoal (até para ser coerente com a primeira derrapada apontada), não podia recitá-lo como um locutor de rádio num break comercial…

Agora vamos ao conteúdo da fala. “Primeira vez que ele participa de uma campanha”? Será então que ele nunca teve intervenção alguma em tudo o que sua agência fez? Quem chefia então a Y&R? Quem foi o responsável então por tudo o que se fez antes deste brilhante comercial? Será que ninguém parou para pensar que esta fala também pode ser entendida assim?

E como fica o seu anunciante, a Vivo, nessa história? Com chapéu de palhaço, ou pior, como réu confesso, pois só agora ela está, finalmente, “inaugurando a era da qualidade de ligação e da qualidade de ofertas”. Isto significa, literalmente, que até agora a qualidade das ligações era ruim e as ofertas comerciais piores ainda…

Mas para ser “justo” e não dizerem que eu só critico, reconheço um justificado mérito ao nosso garoto-propaganda: ele não mentiu em sua fala. Sim, pois realmente as ligações da Vivo eram (e são) ruins, a política comercial era (e é) desastrosa e o assalto e o desrespeito ao cliente um total acinte. Mas, afinal, se ele é a agência de propaganda da Vivo, não precisava confessar isso assim tão abertamente… podia disfarçar um pouco… Já pensaram quantos processos podem ser movidos contra a empresa depois dessa confissão de culpa?

Ah, mas agora os tempos mudaram e, segundo a agência, a Vivo resolveu inaugurar a era do respeito ao consumidor e, pela primeira vez, oferece “um celular que pega”!!!  Dá para acreditar que algum estagiário com mais de 25 dias de experiência possa ter inventado essa tirada? Façam-me um favor… essa pegou é muito mal. E o pior é que, desta vez, não dá para botar a culpa no estagiário, no planejamento ou na criação, pois o próprio dono botou a cara para bater na campanha… e o mínimo que se supõe é que ele a tenha aprovado.

Tem ainda um pequeno detalhe, apontado por um leitor: a patrocinadora do “Aprendiz” não era por acaso a Claro?…  Pois não é um tanto estranho uma operadora patrocinar o seu programa e depois ele fazer propaganda pessoal da concorrente?… No problem: com certeza o nosso novo ator está acima dessas reles contradições terrenas…

A arte de derrapar não tem limites. No momento em que a Vivo finalmente tem algo de importante a ressaltar, por adotar a tecnologia GSM, em vez de fazer uma campanha botando a tônica nisso, explicando no que esta tecnologia pode melhorar “ainda mais”… as ligações e demais recursos avançados dos celulares, o anunciante cedeu ao irresistível charme de uma vaidade publicitária, cujo objetivo “claro” é mostrar a si mesma, e não o produto que está vendendo. Deu no que deu: entrou pelo Youtube! E quanto à Vivo, eu já tinha lido que ela perdeu boa parte do market share. Agora acabo de ler que está à venda.