Livro das derrapadas no marketing
Num oportuno editorial no dia 8 de maio, o jornal O Estado de S. Paulo alertou para os males do monopólio da ECT e para o perigo de ele ser ainda ampliado, caso não tenha ganho de causa no STF a ação movida contra isso pela associação que congrega os transportadores privados.
Eu vou mais longe: está mais do que na hora de se abrir totalmente a atividade postal à iniciativa privada, como se fez com as telecomunicações, acabando com toda sorte de privilégios da ECT. Melhor ainda é privatizar esta empresa, dividindo-a em pedaços, como se fez com as diversas “Bells” nos Estados Unidos, para que haja concorrência de serviços e de preços.
Se alguém tinha alguma ilusão de que a ECT trabalhava só em benefício do público, pelo “social”, etc, a CPI dos Correios, com tudo que ela trouxe à tona, deve ter servido para desmontar de vez esta lenda estatizante.
Eu vivencio o relacionamento dos usuários empresariais com os Correios há mais de vinte anos, seja pela ABEMD (Associação Brasileira de Marketing Direto), que presidi, seja como usuário, e posso testemunhar que, escondidos sob o manto de uma pseudo-avaliação maravilhosa de sua performance, eles têm feito de tudo para prejudicar, quando não espoliar as empresas que deles dependem para sua atividade.
Já em 1987 eu fui à TV, no Jornal Nacional, para denunciar a situação calamitosa em que se encontravam os serviços, durante uma greve que a direção da ECT de então fingia que não via…
Posteriormente, em várias ocasiões (pois fui depois o VP Executivo e mais tarde assessor da diretoria, até 1996), eu e meus colegas da época levamos às diversas Presidências da estatal os pleitos dos usuários em termos de serviços e principalmente de tarifas. Só fomos atendidos com migalhas ou com promessas não cumpridas.
E a ECT, impávido colosso, surda aos reclamos dos usuários, foi manipulando, ao longo desses últimos anos, as suas categorias de serviços e tarifas, de modo a eliminar as poucas vantagens que tinham as empresas de marketing:
1) acabaram com a categoria “livros”, que permitia remeter cultura a baixo custo para todo o país;
2) encareceram brutalmente o envio dos impressos, tornando inviáveis as malas diretas que antes enchiam as caixas de correspondência dos consumidores;
3) acabaram com a tarifa nacional única para as encomendas simples, passando a cobrar pelo destino;
4) alargaram os prazos de entrega de encomendas, que não entregam a domicílio, obrigando o cliente a ir buscá-las na agência postal.
Tudo isso na tentativa de desestimular o uso desses serviços e “empurrar” goela abaixo do mercado o único que lhes interessa vender: o caríssimo Sedex, que inviabiliza o envio de mercadorias a praças mais distantes.
Para se ter uma idéia, um livro que minha empresa vende por R$ 19,00, se enviado por Sedex de São Paulo para qualquer praça do Nordeste vai pagar entre R$ 25 e R$ 40 de frete… Belo incentivo à cultura faz a ECT…. Belo estímulo ao desenvolvimento dos negócios de vendas à distância, via catálogos ou Internet…
Por tudo que ocorreu recentemente nos gabinetes postais de Brasília, podemos adivinhar qual a lógica desta visão imediatista e predatória do mercado. É que pouco importa à direção dos correios o desenvolvimento dos negócios via postal, a médio e longo prazo, como conviria se tivessem uma verdadeira visão de marketing. Só querem saber de faturamento rápido, para gerar caixa na ECT, enquanto eles estão lá… Se, no intervalo, muitas empresas usuárias não puderem fazer negócios, ou mesmo chegarem a quebrar, problema delas…
Nos serviços internacionais, a ECT chegou ao primor em matéria de manipulação: acabou com as cartas!
Hoje ninguém mais consegue mandar algo para o exterior que seja simplesmente considerado carta, via aérea, como em qualquer país civilizado do mundo. Eles chamaram todo o serviço internacional de “Exporta Fácil”. E qualquer envelope que se manda para o exterior tem que se encaixar neste serviço, nas categorias “documento” ou “mercadoria”. Escolhendo entre Econômico, Prioritário ou Expresso.
O único que chega razoavelmente rápido é o expresso, ou sedex internacional que, como “documento”, custa R$ 60 para os Estados Unidos. Os outros levam de 10 a 30 dias corridos para chegar (embora prometam menos), o que significa que eles deliberadamente seguram esta correspondência, pois como tudo vai por via aérea de qualquer forma, não haveria razão para não chegar em dois ou três dias… Mas aí concorreria com o Sedex…
Em outras palavras, o cidadão comum, que quer mandar uma simples carta para um familiar no exterior, virou “exportador” para a ECT, porque ela simplesmente não se interessa em prestar os serviços mais baratos, de interesse social, como seria a função (e a justificativa teórica) de um correio estatal.
Ora, se é para ter uma estatal que se comporta como uma ave de rapina em cima dos usuários, é melhor que haja várias empresas privadas em seu lugar, concorrendo pelas regras do mercado. Pelo menos nas privadas se desviará menos dinheiro, porque o olho dos donos estará lá para impedir.
Só esperando que, neste caso, se crie uma agência reguladora séria, com controle pelos usuários do serviço postal, e não um cabide de emprego de funcionários indicados por políticos submissos aos interesses das próprias operadoras postais, como acontece na área da telefonia e dos seguros, onde a Anatel e a Susep, por exemplo, só fazem o que interessa às telefônicas e às seguradoras, pouco se lixando para o usuário dos serviços.
Proponho esta pauta a um governo da oposição, se eleito, porque para os petistas isso seria uma catástrofe… Eles, com certeza, devem preferir que tudo fique como está na ECT, inclusive para que possam continuar recontratando, a peso de ouro, os mesmos e já suspeitos fornecedores terceirizados “amigos”, como aliás estão fazendo…