Livro das derrapadas no marketing
Em minha coluna pós-copa apontei o risco de associar marcas com personalidades, como no caso do Santander com os jogadores da seleção. Este artigo me valeu uma extensa correspondência de leitores torcedores, apontando uma derrapada do mesmo gênero, porém muito pior: a associação de marcas com times específicos de futebol. Coisa que eu, pertencente àquela minoria “brasílica” que não acompanha futebol, confesso que não havia percebido até que ponto havia chegado.
A leitora Regiane de Souza Azarias que, apesar de ser mulher, não pertence a esta minoria, escreveu: Após ver um vexame do Vasco e a única conquista do Flamengo do ano (ou talvez da década) na final da Copa do Brasil no dia 26 de julho, vou assistir ao Jornal da Globo, quando no intervalo me deparo com um comercial da Nova Schin homenageando o Flamengo pela vitória e se declarando flamenguista. Como uma cerveja que está na luta para conseguir uma fatia do mercado faz uma desfeita desta com os vascaínos e com tantos outros torcedores de vários times diferentes ? Eu duvido que algum vascaíno que tenha visto esta propaganda irá tomar Nova Schin depois desta afronta. Podiam ter feito uma homenagem ao futebol ou algo do tipo, mas restringir a comunicação apenas para este público realmente foi uma derrapada de marketing, na minha opinião.
Curioso por saber se este caso é único ou não, recorri a meu irmão Marcelo que, neste aspecto, é meu oposto: um torcedor entusiasta (para não dizer fanático) do São Paulo FC. Para meu espanto, ele me revelou que quase todos os times brasileiros são patrocinados: o Santos pela Panasonic, São Paulo pela LG, Fluminense pela Unimed, Botafogo pela SuperGasbras, Vasco pela Caixa Econômica Federal, Palmeiras pela Pirelli, Corinthians pela Medial… e assim por diante.
E acrescentou: Esta derrapada da Nova Schin é absurda, por uma razão muito simples: no futebol, a soma das torcidas adversárias é sempre maior do que a do seu time, torça você pelo Corinthians ou pelo Flamengo. A questão é realmente delicada e arriscada. Eu, por exemplo, comprei uma câmera digital da Sansung, e seis meses depois a Sansung passou a patrocinar o Corinthians. É lógico que eu não jogaria no lixo a máquina que me custou uma nota, mas se esse patrocínio já existisse, certamente eu, conscientemente, não a teria comprado. Certa vez a Parmalat resolveu patrocinar o Real Madrid, da Espanha, que tem uma rivalidade muito além da futebolística com o Barcelona, que fica na Catalunha: rivalidade política, histórica – são duas línguas diferentes, inclusive. O resultado foi que as vendas da Parmalat despencaram de tal forma, que o contrato de patrocínio com o time de Madrid foi rescindido, com pesadíssimos prejuízos para a Parmalat, que teve que indenizar o Real Madrid. O Corinthians, certa vez, teve como patrocinador a Pepsi, de que já não gosto. Imagine se eu iria tomar uma Pepsi, por maior que fosse a sede, com ela patrocinando o Corinthians, completou ele.
Puxando um pouco pela memória, lembrei-me de um corinthiano que conheci, que não viajava pela TAM porque era “uma empresa são-paulina” (patrocinava então o São Paulo FC). E que chegava a ponto de não comer salada verde, porque é a cor dos palmeirenses… Conheci também um palmeirense que, mal disfarçando o seu racismo, dizia “não gostar de preto, nem de nada preto, porque é cor de corintiano”…
Sabendo-se até que ponto o futebol desperta paixões, por vezes radicais e inconfessáveis, como podem os marqueteiros (mesmo avessos ao futebol, como eu) recomendar que suas empresas patrocinem times específicos? Se patrocinar a seleção brasileira já é arriscado (pela possibilidade de a marca deprimir junto com os torcedores…).. associar a um time a marca de um produto de consumo de massa, como cerveja, refrigerante, leite, eletrônicos, telefonia, bancos, planos de saúde, etc, segmentos onde existe forte concorrência, parece coisa de demente.
Por que será então que tantos derrapam nesta mesma curva? Algumas hipóteses: 1) Os marqueteiros das empresas patrocinadoras são torcedores tão fanáticos dos times que patrocinam que estão dispostos a entregar o mercado dos torcedores de todos os times adversários para a concorrência; 2) Os marqueteiros ficam cegos (ou míopes) com a paixão futebolística e simplesmente não pensam das conseqüências de sua ação; 3) Eles recebem um “mensalão” dos cartolas dos clubes para lhes dar o patrocínio; 4) Várias combinações das três alternativas acima.
Para o meu mestre Gordon Lewis, as causas disso estão no que ele chama de “esterilidade imaginativa”, que substitui o conteúdo e a abordagem proativa na comunicação pelo uso cego e abusivo de recursos “fáceis”, como patrocínios e endossos de personalidades, que faz mau uso das ferramentas básicas de vendas e de comunicação e que sacrifica o relacionamento sadio com o consumidor por uma postura de arrogante superioridade em relação a ele.
Sim, porque achar que o torcedor de um time vai adotar um produto ou uma marca por causa de um patrocínio do seu time é quase tão ingênuo (ou burro) quanto ignorar que os torcedores dos outros times vão, estes sim, rejeitar o seu produto ou marca por causa do patrocínio do time rival.