Livro das derrapadas no marketing

Marketing sem cultura
Colunista: Antonio Silvio Lefèvre – Edição 21/05/2007

Em recente artigo, sob o título “Aprender a Aprender”, o colunista José Roberto Whitaker Penteado destacou a importância de uma sólida cultura geral para os profissionais de marketing e da propaganda. Escreveu então que ambos os tipos de profissionais lidam com os consumidores – que são pessoas – e com os fatores do que o professor Kotler chamou de “ambiente externo”. O ambiente externo é o mundo. E o mundo é feito de geografia, história, política, economia, biologia, química, engenharia, arte, arquitetura, música, cinema, teatro, esporte – em uma palavra: cultura. Mas as pessoas são ainda maiores do que o mundo: cada uma detentora do seu universo interior, que a sociologia, a antropologia e a psicologia tentam abraçar e compreender.

Relembrei este oportuno texto do colega por estar cada vez mais abismado com a indigência cultural de certos colegas publicitários e marqueteiros, que se reflete no simplismo e por vezes no baixo nível de tantas campanhas e mensagens publicitárias que vemos por aí. Em vez de abrir cada vez mais os olhos para o mundo, sempre mais complexo e merecedor de estudo, tornou-se moda entre muitos marqueteiros virar “especialista” em alguma coisa, arrotar sabedoria a partir de regrinhas óbvias ditadas pela “experiência” e achar que, em função disto, não precisam aprender mais nada, porque já sabem tudo.

Tenho um indicador disso no retorno aos informativos da minha livraria virtual, que oferece uma selecionadíssima bibliografia de ciências humanas, de algumas editoras selecionadas (que posiciono como “o melhor das melhores”). Quando envio o informativo à lista dos assinantes desta coluna Derrapadas, o retorno é excelente, demonstrando que meus leitores são profissionais de cabeça aberta, interessados em ler e aprender e com uma ampla gama de interesses culturais. Porém quando envio a listas genéricas de gente de empresa, alguns profissionais (felizmente uma minoria) pedem para serem excluídos do mailing, por vezes até de forma agressiva ou, mais freqüentemente, com um educado “eu não sou desta área, sou de marketing” ou “sou de empresa”…  

Gente, o que isso? Desde quando ser de marketing, de propaganda ou de empresa exclui a cultura?  Desde quando um profissional de marketing pode se dar ao luxo de não ler Dostoievski e Kafka, não saber em que século e a que movimento musical pertenceu Brahms, não se interessar por psicologia e achar que Chiang-Kai-Check era um chinês que passava cheques sem fundo?  

Fiel à minha curiosidade de sociólogo e ex-pesquiseiro, sempre questiono essas pessoas sobre os porquês do desinteresse pelos livros e a maioria das respostas invariavelmente aponta para a “falta de tempo”. Indo mais a fundo, descubro que a falta de tempo destes executivos é bem genérica, pois eles também não lêem livro algum sobre a sua “especialidade”, freqüentemente não lêem nem mesmo os jornais diários, raramente revistas de interesse geral ou especializadas, ignorando tudo o que chega pela palavra escrita (salvo as notícias de futebol, as fofocas do BBB e os badalos de Caras).

Como eles não deixam de ir às baladas e acompanhar o “Brasileirão”, deduzo que esta falta de tempo é apenas uma desculpa para outra coisa: acomodação, preguiça mental, aliada a uma inacreditável (e injustificável) pretensão ao saber profissional. E aí me pergunto: Como podem então, tais “alienados”, sem estudar e entender o mundo, pretender montar estratégias vencedoras para empresas competirem no tão complexo mercado global que, como lembra o nosso JRWP, é formado por interesses, mentes e almas extremamente diversificados? Não me espanta que, para isso, apelem apenas para a “criatividade”, a “inspiração” e muito freqüentemente, até rejeitem fazer pesquisas para definir estratégias. Pesquisas exigem que se pense, que se estude, que se ouça outras vozes, e que se tenha capacidade de interpretá-las à luz de uma cultura que eles não têm nem querem ter. Melhor então serem apenas geninhos “criativos”. Afinal, acham eles, o que um “artista” faz  não se discute, é arte! (como se arte não pudesse ser discutida e entendida como inserida na sociedade e na cultura).

Corremos hoje o enorme perigo da hiper especialização, em que legiões de jovens incultos, nada curiosos, mas auto-confiantes em sua própria ignorância, que aprenderam meia dúzia de regrinhas em aulas ou palestras que assistiram (já que têm preguiça de ler o que os palestrantes escreveram antes) começam a fazer carreira nas empresas e agências como grandes “especialistas” ou geniais “criativos”.  O resultado depois nós vemos em campanhas formuladas “no joelho”, sem conceito lógico, sem diferenciais tangíveis, ou tão absurdas que parecem terem sido feitas pelo concorrente para desmoralizar aquele anunciante – e também nos comerciais TV com piadinhas bobas ou grosseiras, rimas pueris e jogos de palavras que poucos no público entendem e todos logo esquecem, geralmente nem percebendo qual era o produto anunciado.