Livro das derrapadas no marketing

Macaquice leva a erro histórico de posicionamento
Colunista: Antonio Silvio Lefèvre – Edição 21/01/2008

Na coluna anterior eu relatei o quanto os cartões de crédito foram (e são) fundamentais para as vendas de marketing direto, em especial aquelas realizadas pela internet – e como ainda há consumidores que têm resistências a utilizar este meio de pagamento.

Uma dessas resistências, talvez a maior delas, deriva de uma inacreditável miopia de marketing que fez com que os cartões, quando introduzidos no Brasil, tivessem sua denominação traduzida literalmente do inglês “credit card” para “cartões de crédito”.

E por que miopia? Porque “crédito”, no Brasil, está associado ao pagamento de prestações, compromissos mensais sempre desagradáveis e também a vendas para as classes mais baixas, como as dos famosos “carnês”.

Tecnicamente, as vendas efetuadas através de cartões não são a crédito. Desde que foram introduzidas no Brasil elas são, de fato, “à vista”. Trata-se apenas da unificação de todas as compras do mês numa única data de pagamento, numa única fatura. Aliás, no mundo inteiro (salvo no Brasil) as vendas por cartões continuam sendo unicamente à vista. Nos USA, por exemplo, se diz “charge my card”, o que significa “cobre do meu cartão”, ficando claro assim que não se está dando crédito algum ao cliente, mas apenas permitindo que use o cartão para pagar.

No Brasil, país viciado na cultura das prestações, logo se introduziu nos cartões o crédito “rotativo”, que permite ao cliente pagar apenas uma parte da fatura e financiar o restante, e um parcelamento “administradora”, ambos com pesados juros. E, mais recentemente, criou-se o parcelamento sem juros, em que o ônus do recebimento das parcelas é repassado aos lojistas. No “rotativo” o usuário tem uma opção pelo “crédito”, mas não uma obrigação. Se possível, ele paga a fatura à vista. E no parcelado sem juros, o cliente não está fazendo um financiamento, pois o valor total é igual ao valor à vista. Trata-se apenas de uma facilidade de pagamento.

Portanto, salvo se houver opção pelo parcelado com juros, na hora da compra, ou pelo “rotativo”, no vencimento da fatura, é que o cartão poderia, em tese, ser chamado “de crédito”. Porém, como este nome foi imposto a nosso mercado e é utilizado em toda a comunicação dos cartões, tudo reforça a tese de que, ao usar um cartão, o consumidor esteja sempre pedindo “crédito”. Quando este chega numa loja o caixa freqüentemente pergunta: “Vai pagar à vista ou no cartão?”. E o usuário se vê então na contingência de passar a “vergonha” de optar pelo cartão, vestindo então a carapuça da “culpa” por não poder pagar “à vista”. Ora, diabos! Quem compra por cartão, na maioria esmagadora das transações, está comprando à vista, não a prazo!

Somando-se a esta inadequação terminológica tão prejudicial ao uso dos cartões, cometeu-se aqui, nos últimos anos, outra enorme derrapada de posicionamento, que só piorou o quadro. Foi a introdução daquilo que os bancos, de repente, começaram a chamar de “cartões de débito”. São os cartões vinculados às contas bancárias dos clientes, através dos quais estes podem fazer compras, digitando uma senha, e terem os valores debitados instantaneamente de suas contas. Quando estes “espécimes” começaram a se difundir no mercado e serem aceitos em maior número de estabelecimentos, a cada vez que um cliente apresenta um cartão no caixa, este pergunta: “débito ou crédito?” E fica então pior ainda a situação psicológica do cliente que deseja utilizar o seu cartão dito “de crédito” porque este se contrapõe, literalmente, ao outro que é “de débito”. E só para confundir ainda mais alguns cartões são “múltiplos”, ou seja, são ao mesmo tempo de débito e deste pseudo “crédito”! Qual consumidor tem know-how suficiente para entender isso?

Outro dia uma cliente de nossa livraria virtual optou por pagamento via MasterCard em 3 parcelas sem juros. Recebeu instantaneamente nossa confirmação automática de compra, onde está escrito que iremos “efetuar o débito em seu cartão”. Pois não é que ela entrou em contato conosco, apavorada, dizendo que tinha optado por crédito, e não por débito!

O lojista, particularmente nas vendas virtuais, fica então nesta delicada situação de ter que inventar uma nova palavra porque se ele disser que faz o “débito no cartão de crédito” (que é o que realmente faz) o cliente pode ficar confuso, achando que será um débito instantâneo em sua conta. Não importa que não seja viável utilizar cartões de débito nas compras à distância, pela impossibilidade do cliente digitar a senha. Isto é uma tecnicalidade que o consumidor não tem obrigação de conhecer. Em função disso nós mudamos a palavra: falamos em “lançamento” no cartão de crédito e não em débito…

A confusão que este erro de posicionamento dos cartões de crédito gera na mente dos clientes “não tem preço”, como diria a propaganda da MasterCard e também aquela da Credicard, que estendeu a seu nome este erro de posicionamento de produto. E não tem preço porque o que se perde em termos de vendas por cartões devido a este erro deve ser da ordem de bilhões. O mercado de cartões “de crédito” tem crescido muito entre nós. Mas poderia ter crescido muito mais não fosse a macaquice inicial dos introdutores do produto no Brasil.  

E só para não dizer que o marketing direto seja isento de culpa neste cartório das macaquices, registro que eu fui voto vencido quando da introdução do nome desta especialidade no Brasil, ainda nos anos 70. Achava então (como continuo achando) que “marketing”, para quem não é de língua inglesa, é um termo técnico, que o consumidor não tem obrigação de entender e que passava (como passa hoje ainda mais) a percepção de que se trata de mágicas boladas por especialistas para “levar no bico” o consumidor – vide a pejorativa expressão: “é puro marketing”. Propugnava então por “compras à distância”, que tem o mérito da clareza. Pior ainda foi quando introduziram o termo “telemarketing”, em vez de usar simplesmente “atendimento a clientes”, expressão voltada  para o cliente e não para o próprio umbigo dos “marqueteiros”.