Livro das derrapadas no marketing
Com o título acima o jornal O Estado de S. Paulo publicou um oportuno editorial no dia 3 de março, alertando para o perigo representado pelo projeto de lei que acaba de ser aprovado em comissão no Senado, que restringe as liberdades de expressão e opinião na internet. O projeto tem por pretexto evitar que usuários de computador acessem informações sobre políticos e as retransmitam numa cadeia sem fim (…) com objetivo de caluniar, difamar ou injuriar autoridades e outras personalidades e destruir sua reputação. É o que diz o parlamentar governista Expedito Junior (PP-RO) na sua exposição de motivos. Alterando o Código Penal para aplicar punições rigorosas a sites que veicularem informações julgadas como “calúnias” por essas autoridades, o projeto foi ainda apimentado pelo relator “oposicionista”, senador Eduardo Azeredo (PSDB) que, para exercer um controle mais rígido sobre a difusão de informações na internet, propôs a criação de um cadastro nacional de emails, sob a responsabilidade do governo federal. O que, segundo o editorial do Estadão, viola a privacidade dos usuários de computador.
Não por acaso, este senador mineiro ficou bastante incomodado com os comentários de internautas sobre a suspeita de ter sido ele o precursor do “mensalão”, que depois levou à “difamação” na internet dos 40 petistas denunciados pela mesma razão. Nada mais “natural” assim que, sob este aspecto, os governistas e este oposicionista tenham opiniões coincidentes sobre a necessidade de controlar o que se escreve na internet…
Quem sabe concordem também com uma TV pública que só dê notícias boas para o governo e certamente devem todos estar contra a liminar do STF que suspendeu a vigência da Lei da Imprensa, este instrumento da ditadura militar para amordaçar a imprensa que, também não por acaso, “esqueceram” de revogar.
Internet é ambiente que pressupõe liberdade ampla. Por essa razão é que regimes autoritários, como os da China, Cuba e Irã não gostam dela e a reprimem. E liberdade na internet significa liberdade nos sites e mais liberdade ainda na comunicação por email. E por que mais liberdade? Porque num site, que é aberto ao público, aquele que passar dos limites e insultar realmente alguém arrisca ser processado e para isto não é preciso nenhuma lei especial. Porém o email, desde que enviado a destinatários conhecidos, é uma correspondência privada – e em particular, para seus amigos, qualquer pessoa tem o direito de escrever o que quiser, até mesmo de insultar autoridades. Mesmo porque, como o conteúdo da correspondência é privado, a ninguém é dado saber o que um amigo escreve ao outro.
Mas será que o conteúdo das mensagens é privado mesmo? Será que a tão decantada privacidade do consumidor é respeitada na internet? A resposta é infelizmente “não” e isto não acontece apenas nas ditaduras mas também nas melhores democracias, como a americana. Inicialmente com o objetivo de “monitorar” as mensagens de email entre terroristas, sofisticados programas foram montados pela CIA e pelo FBI para identificar palavras-chave e padrões que pudessem levar a eles.
Até aí, ninguém (salvo os terroristas) iria reclamar, embora vozes isoladas, nos Estados Unidos, tenham alertado para a ameaça às liberdades que tais controles implicavam. Pois bem, ou pois mal, Bin Laden e Marulanda não foram apanhados até agora mas em compensação os mecanismos de “monitoramento” extrapolaram os limites da CIA e ganharam os provedores de internet, muito especialmente aquele que hoje é o maior deles, o Google. Sim, pois além de ler o que está nos sites e blogs do mundo inteiro (pela nobre causa de facilitar a pesquisa dos internautas, é claro) e de monitorar tudo o que cada usuário pesquisa na rede, o Google teve a brilhante idéia de oferecer emails gratuitos (e eficazes) no mundo todo e assim poder bisbilhotar tudo o que se escreve de e para os endereços gmail. Comenta-se que o Google possui hoje um “algoritmo” secreto que, em milésimos de segundo, “lê” todas as palavras (e combinações de palavras) de uma mensagem, em qualquer língua, passa-a por seus sofisticados “filtros” e decide se ela deve ser entregue intacta ao destinatário, classificada como “spam” ou simplesmente bloqueada.
Se isto não é invasão de privacidade ou, pior ainda, violação de correspondência, então vai ser preciso mudar esses conceitos. Claro que o Google, como outros provedores de menor poder de fogo, faz isso “em defesa dos seus clientes”, para protegê-los do “spam”. Já li regulamentos de provedores brasileiros que dizem que seu sistema “anti-spam” é para “proteger a privacidade dos clientes”! Ou seja, para proteger a sua privacidade e a minha eles primeiro a invadem! Mas como as intenções são boas você e eu só lhes devemos agradecimentos por lerem nossos emails.
Mas será que as intenções são boas mesmo, totalmente desinteressadas? Ou será que o big brother Google e seus irmãozinhos menores combatem tão acirradamente as mensagens de propaganda na internet (classificadas todas como “spam”) justamente para que a única forma viável de anunciar na rede seja pelos anúncios “patrocinados” em suas páginas de busca? Eu não acredito em coincidências, principalmente quando favorecem os grandões, sejam eles privados, como os provedores, ou públicos, como ditadores e aspirantes a, mesmo que “de esquerda”, ou simplesmente “autoridades” desejosas de impedir que circulem informações negativas sobre elas. Por essas e outras é que o projeto de controle da internet no Brasil, que está a um passo de ser aprovado no Senado, merece o total repúdio da imprensa. Até porque se a internet é amordaçada hoje a imprensa toda poderá ser amanhã. Vide Chavez.
Em tempo: coincidência ou não, poucos dias após o editorial do Estado e a publicação desta coluna, o criticado projeto foi tirado da pauta do Senado.