Livro das derrapadas no marketing

Garantia ou validade?
Colunista: Antonio Silvio Lefèvre – Edição 08/01/2007

Quando você compra um iogurte e nele tem uma data de validade, sabe que, depois daquela dia, o produto já se torna perigoso: é mais prudente jogar fora. Muitas empresas porém, cujos produtos em tese não são perecíveis, deveriam passar a colocar datas de validade nos mesmos, em vez de dar garantias.

Mesmo porque suas garantias, na prática, já são datas de validade. Eu perdi a conta de quantos telefones celulares, telefones sem fio, computadores (principalmente notebooks), impressoras, aparelhos de som, câmeras digitais, filmadoras, CD players e principalmente DVD players já joguei fora, com pouco mais de um ano de uso, às vezes menos, porque simplesmente eles não funcionavam mais, a garantia expirou (ou não se aplica, pelas regras rígidas) e o preço do conserto correspondia à metade ou mais do valor de um novo…

As autorizadas das respectivas marcas rivalizam-se para ver qual delas ganha o campeonato do pior atendimento pós-venda. Os engenheiros e marqueteiros da LG, Gradiente, Panasonic, Sony, e tutti-quanti parece que fizeram um MBA especializado na transformação de bens duráveis em perecíveis e esmeram-se em fazer com que os consumidores passem a considerar como “normal” o fato de seus aparelhos durarem apenas um ano e depois serem descartados.

Vai ver que é até de propósito, na esperança de que os clientes comprem sempre os novos modelos que eles lançam anualmente…  Arrogantemente assumem que o cliente, apesar de desencantado, frustrado com a compra que fez daquela marca, ao jogar no lixo o equipamento que acabou de comprar, vá correndo comprar um novo daquela mesma marca… É tomar os consumidores por imbecis totais.

Sua arrogância é tal que chegam até a anunciar a “garantia de um ano”, às vezes até mais curta, como se esta duração fosse um benefício importante do produto, em vez de ser, na realidade, uma armadilha para justificar a sua baixíssima durabilidade.

Já se foi o tempo em que se comprava uma geladeira ou uma TV, ou mesmo um carro, considerando-o como um bem durável, para ser usado por muito, mas muito tempo mesmo. Minha velha mãe, já falecida, um dia me telefonou, muito espantada, dizendo: “Filho, minha geladeira quebrou, não entendo por que… Ela funcionou tão bem 40 anos…”.

De fato, até alguns anos atrás, considerava-se que uma geladeira, uma máquina de lavar, um automóvel, um rádio, uma TV, eram coisas para durar uma vida inteira, como uma casa. E muitas delas duravam mesmo, do que são testemunhas os automóveis antigos, que apesar de pichados de “carroças” pelo Collor, ainda estão nas garages de muitas residências de idosos, comportando-se muito bem nos seus passeios dominicais…

Hoje em dia a cultura é outra, até mesmo para produtos de alto valor agregado e cuja função pressupõe longa durabilidade. Exemplo disso é o aquecedor de piscinas da Heliotek que comprei e depois descobri ser um mico, pois consome uma brutalidade de energia elétrica, só servindo mesmo em pleno verão, para temperar uma água que já esteja quase quente… Com três anos da compra e praticamente sem uso, em função desta fome de eletricidade, eis que o aquecedor quebra suas peças vitais e o orçamento do conserto equivale a quase o que paguei na sua compra… Sim, mas a garantia era de 1 ano e, azar meu, o fabricante não pode fazer nada por mim…

Se já é difícil de imaginar que alguém compre um DVD player para usar apenas um ano, é mais absurdo ainda imaginar que mande instalar um caro equipamento em sua piscina só para um verão… ou que compre um carro para uma única viagem de férias… e depois o jogue no lixão.

Justiça seja feita, a indústria automobilística é uma das que menos cometem esta derrapada. Com frequência fazem o recall de grandes quantidades de carros e dão o suporte gratuito para o que consideram como defeitos de fabricação, mesmo que muito tempo após o fim da garantia formal.

Porém quantas vezes vimos um recall de TVs, DVDs, telefones celulares e outros tantos produtos como geladeiras, fogões, máquinas de lavar, que deveriam durar anos a fio ou sem fio?  

Eu não consigo me lembrar de nenhum. A ganância e o espírito predatório de muitos de seus fabricantes faz com que pensem apenas no curtíssimo prazo. Fazem campanhas milionárias na mídia, patrocinam times de futebol para ganhar recall de sua marca, vendem quanto querem naquele momento e esquecem-se de que a credibilidade (e o futuro) de sua marca dependem principalmente da qualidade (e da durabilidade!) de seus produtos e da eficácia de seu pós-venda.

Pouco importa, devem pensar os seus executivos (i)responsáveis, pois quando a bomba estourar não estarão mais na empresa, já que seus empregos e suas carreiras também não têm garantia, nem validade, por mais do que alguns poucos anos, se tanto… Tudo virou descartável, até eles mesmos.