Livro das derrapadas no marketing
O fim de semana está chegando. Dois dias sem preocupação. Dois dias para você fazer só o que quiser. Dois dias para você se divertir. Dois dias para encontrar os amigos, ficar com seus filhos. Dois dias para você ser o verdadeiro dono da sua vida. E dois dias para você perceber que precisa fazer um plano de previdência SulAmérica. E transformar o seu futuro num eterno fim de semana.
Com esta fala, num comercial recém estreado, o ator Vladimir Brichta apresenta o plano de previdência desta seguradora, posicionado como garantia de um futuro tranqüilo para os seus clientes.
Esta visão da aposentadoria como apenas ócio é convencional e ultrapassada. Hoje vigora o conceito da “aposentadoria ativa” em que a pessoa é estimulada a continuar produtiva enquanto tiver forças para isso. Imaginem a reação do centenário Niemeyer se alguém lhe dissesse para parar de fazer projetos e dedicar-se só aos netos e bisnetos…
Mas vamos deixar isso barato, pois esta promessa do “dolce far niente”, afinal, é a que fazem todos os seguros e planos de previdência. A grande questão é outra: que garantia pode dar a SulAmérica de que, quando este futuro chegar, ela vai cumprir a sua parte e pagar o que é devido para que seus clientes tenham realmente um “eterno fim de semana”?
A credibilidade de uma seguradora quanto ao futuro é julgada pela forma como ela cumpre hoje (ou não) as promessas que fez no passado. E no caso da SulAmérica digamos que a sua folha corrida não permite acreditar que as promessas atuais venham a ser mais cumpridas do que as passadas.
Já mencionei, em coluna anterior, o escandaloso calote que esta seguradora pretendeu (e ainda pretende) dar nos seus clientes de seguro de vida que, pelo pecado de terem ficado mais velhos e portanto mais próximos do “sinistro” da morte natural, só não foram expulsos dos planos porque os Ministérios Públicos de vários estados se insurgiram contra esta pretensão da seguradora e, por ora, conseguiram proteger os segurados através de liminares na Justiça.
Mas a SulAmérica não abriu os olhos e continua recorrendo das decisões judiciais a favor de seus clientes. Que eles percam o que pagaram durante trinta anos ou mais para garantir um futuro tranqüilo para suas famílias, isto parece pouco lhe importar. Imagine se alguém vai se lembrar das promessas feitas numa propaganda, semelhante à atual, feita há três décadas?…
Se nos seguros de vida esta seguradora não tem moral para falar em futuro tranqüilo para seus clientes, no que se refere ao futuro bem próximo dos segurados de seus planos de saúde, a atitude não é diferente. Uma pesquisa realizada pelo Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo e pelo Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor aponta que as operadoras estão interferindo no tratamento dos pacientes para tentar reduzir seus gastos com consultas, exames etc. Entre 1999 e 2006, os próprios médicos encaminharam ao CRM uma grande quantidade de denúncias contra operadoras. E adivinhem qual foi a empresa com maior número de queixas registradas? Terá sido uma das maiores, como Amil, Medial, etc? Não, foi a SulAmérica, claro.
E quanto às mensalidades pagas por seus segurados de planos de saúde? Pois é… a SulAmérica acaba de derrubar na Justiça uma liminar conseguida pelo Ministério Público de São Paulo que determinava um limite para o reajuste em 2005. Com isto, além de aumentar de imediato em 12,9% as mensalidades de 192 mil segurados, a seguradora vai cobrar as diferenças retroativas de julho de 2005 até agora. Tudo muito tranqüilo para os segurados, garante ela, pois a diferença desses dois anos vai poder ser paga à vista, em duas ou seis vezes. E quem morreu não precisa pagar a diferença, assegura ela, num gesto de benevolência.
Gente, o que é isso? Quem pode acreditar que a SulAmérica esteja pensando realmente na tranqüilidade da aposentadoria de seus clientes quando demonstra que faz tudo para tirar vantagem apenas para ela própria? Quem garante que, quando os participantes dos seus planos de previdência chegarem mais perto de receberem pelo que pagaram ela não vai inventar alguma mágica para mudar as regras do jogo, como fez com os seguros de vida, e negar os benefícios? Quem garante que ela não irá à Justiça para prejudicar seus segurados e que mesmo quando estes tiverem ganho de causa, ela não insistirá em recorrer para prejudicá-los? Quem garante que ela não fará algum aumento gigante, retroativo, nas mensalidades do seu plano de previdência, como fez com o de saúde?
Mas vamos pensar positivamente. Quem sabe tenha caído finalmente a ficha para os executivos da SulAmérica de que o principal capital de uma seguradora é a sua credibilidade. Quem sabe tenham decidido que agora vão dar o exemplo e começar a respeitar, de verdade, os contratos feitos com seus clientes. Quem sabe tenham contratado profissionais de marketing e demitido advogados, entendendo finalmente que um cliente não deve ser visto como um inimigo, de quem se arranca a pele até o osso e com quem se briga na Justiça até a última gota de sangue.
Até porque nenhuma propaganda nova pode fazer mágicas: é um cliente que traz o outro – ou afasta o outro. Imaginem só o que espalham hoje os clientes que acreditaram nas promessas de “eterno fim de semana” feitas em outros tempos. Seus fins de semana são de angústia, isto sim, pelo temor de perderem tudo pelo que pagaram.
Vamos acreditar que a SulAmérica vai parar de brigar na Justiça com seus segurados, mostrando assim que seus novos contratos valem e dando como prova o respeito aos antigos. Vamos acreditar que acabaram as eternas magias e agora é para valer. Até para que o inocente Vladimir Brichta, dentro de algum tempo, não passe por mentiroso.