Livro das derrapadas no marketing
Vale por um flashback a mala direta postada em maio pela Seleções do Reader’s Digest. Infelizmente um flashback de espertezas que se faziam nas décadas de 50/60 e que, por muito tempo, renderam à mala direta como um todo, ou seja, também àquela que busca honestamente fazer vendas, os mesmos problemas de imagem que hoje enfrenta o email marketing legítimo devido às enganações de todo tipo praticadas nesta nova mídia.
Tudo é falso nesta mala da Seleções. Desde o envelope, cheio de carimbos, códigos de barras e “rastreamentos”, para dar a idéia de que se trata de uma correspondência única e pessoal, mas que é exatamente igual para todos os destinatários, como atestam os envelopes que eu recebi em São Paulo e o colega colunista José Roberto Whitaker Penteado em Petrópolis, RJ…
Apenas 03 em cada 100 moradores de São Paulo foram selecionados para receber a chance de ganhar o Grande Prêmio no valor de R$ 300.000 escrevem eles num “Certificado de Participação Final” incluído no meu envelope. E apenas 03 entre cada 100 moradores do Rio de Janeiro, escrevem naquele direcionado a JRWP, num erro bem revelador do engodo desta “seleção” do mailing de Seleções, que não considerou Petrópolis como outra cidade e nem levou em conta a população de São Paulo e Rio para esta pseudo-amostra…
Este “certificado” tem o brasão da Seleções no alto, imitando o da República, e bordas rebuscadas, simulando uma certidão oficial. As condições de participação neste sorteio em que JR e eu fomos dos poucos privilegiados a serem incluídos no Brasil, “são” apenas uma: Enviar este certificado no envelope-resposta imediatamente. E sabem o que é preciso preencher antes de enviá-lo? Uma ordem de compra, onde, pomposamente, a já quase vítima deve botar um X abaixo de um SIM, desejo adquirir a assinatura da revista Seleções com 15% de desconto, receber um incrível rádio FM e até 3 presentes surpresa grátis… Abaixo, gentilmente, dão 4 opções de pagamento: cartão de crédito, débito bancário, boleto ou cheque…
Além desta pérola de “certificado”, a mala direta contém vários encartes soltos, com diversas iscas sob a forma de ofertas, brindes e sorteios desconexos e uma mensagem de última hora do ator Edson Celulari, Presidente de Honra do Comitê de Distribuição de Prêmios, com a foto do simpático (e temerário) endossador desta generosa promoção.
Gente, onde estamos? Ou melhor, em que ano estamos? Nesta altura dos acontecimentos, quase na segunda década do novo século, Seleções ainda tem a audácia de usar truques velhos de 60 anos para tentar vender a revista?
Faz muitos anos que não boto os olhos num exemplar de Seleções e nem conheço alguém que jamais a tenha assinado, tanto que, para mim, ela já havia desaparecido há décadas. Porém se Seleções já era uma revista água-com-açúcar nos anos 60, agora pela gigantesca enganação que montaram para vendê-la, imagino que ela esteja muito, mas muito mais desinteressante. A tal ponto que deve ser realmente impossível vendê-la como se vende uma Veja, por exemplo, simplesmente apregoando as virtudes editoriais do produto. E como devem se contar nos dedos os cidadãos que a assinariam simplesmente pelo prazer de lê-la, os marqueteiros da revista recorrem a expedientes no mínimo imorais para vendê-la. Transformaram a assinatura da revista numa espécie de pedágio para participar de um concurso por uma bolada de dinheiro… Aliás um concurso do qual em nenhum lugar da peça achei um número de autorização oficial mas achei, isto sim, um pequeno asterisco, ao lado dos R$ 300.000, que é explicitado em letras mínimas, na lateral, com esta esclarecedora nota: Pago em Certificados de Ouro/Títulos de Previdência Privada. Deu para entender? Tudo nesta mala é falso, até mesmo o prometido prêmio em dinheiro!
Fico curioso de saber qual é o retorno de uma promoção como essa e, mais ainda, qual o perfil dos indivíduos que passam incólumes por toda esta bateria de enganações e se arriscam a postar o envelope-resposta com seu nome, CPF, telefone, dados do cartão ou, pior ainda, com um cheque dentro. Sim, porque essas informações valeriam por uma verdadeira pesquisa quali-quanti sobre os mais ingênuos cidadãos do país, para não dizer os mais trouxas. Se esta lista de respondentes caísse em poder de bandidos, já imaginaram? Sim, pois alguém que entrou nessa da Seleções com certeza acreditará na hora em qualquer golpe que passem por telefone. Cruz credo!
Em meus tempos na Presidência da ABEMD (Associação Brasileira de Marketing Direto), assinamos com o CONAR um acordo pelo qual o órgão passou a analisar também as peças de marketing direto que, afinal, são parte da propaganda. Em algum momento posterior, infelizmente, esta parceria foi posta de lado e hoje a ABEMD nem sequer figura ao lado das dezenas de outras entidades que participam do CONAR. Sim, porque se alguém do setor estivesse lá, vigilante, não poderia deixar passar esta vigarice que compromete gravemente a imagem de todos os que utilizam com seriedade as ferramentas do marketing direto e que são, felizmente, a maioria. Pior ainda quando quem a comete é uma empresa filiada à própria ABEMD, apesar de contrariar tudo o que estipula o seu Código de Ética.