Livro das derrapadas no marketing
Convicto de que analisar os acertos é tão importante quanto estudar os erros, Silvio Lefèvre criou um espaço para essa discussão. Desde agosto de 2005, o site www.derrapadas.com.br relata cases observados e vividos pelo próprio Silvio, além de experiências enviadas por leitores. Os textos também são publicados no jornal Propaganda & Marketing.
Com formação em Sociologia, Silvio iniciou sua carreira em marketing nos anos 70. Atuou em diversas agências especializadas e escreveu os livros Marketing Direto ao Vivo no Brasil e Marketing Direto em 100 Perguntas e Respostas. Membro vitalício do Conselho de Administração da ABEMD (Associação Brasileira de Marketing Direto), já foi presidente dessa entidade. Atualmente, Silvio dirige sua própria empresa de pesquisa e consultoria, a Resposta MD.
Confira, na entrevista exclusiva concedida à VendaMais, todas as dicas de Silvio Lefèvre para evitar as derrapadas.
VendaMais – Como surgiu a idéia de criar o site Derrapadas?
Silvio Lefèvre – Em 1987, eu escrevi alguns artigos com essa ótica no caderno Propaganda & Marketing (que depois virou jornal). Alguns criticados ficaram bravos e escreveram cartas para o jornal. Naquela época, já não se admitia criticar os “gênios” da propaganda. Como eu estava nesse ramo, ponderei que não convinha ter uma coluna polêmica, pois assim faria um monte de inimigos e perderia oportunidades de conseguir empregos e clientes. Resolvi ficar mudo nesses anos.
VM – O que fez você romper o silêncio?
SL – Hoje, com uma empresa própria e já não precisando de emprego nem de clientes obtusos, resolvi botar a “boca no trombone” e criei o site Derrapadas. Preciso dar o crédito da idéia a Herschell Gordon Lewis. Ele tem uma coluna como a minha, publicada em vários jornais e revistas nos Estados Unidos. E o último livro dele, Marketing Mutilado, formado a partir de uma coletânea de artigos, foi traduzido por mim e editado pela minha editora.
VM – As derrapadas podem ser de conceituação ou de posicionamento de produto, na comunicação de marketing e no atendimento e relacionamento aos clientes e ao mercado. Em qual dessas áreas você mais relatou cases até hoje?
SL – Cases de mau atendimento e relacionamento com clientes. Eles afetam um grande número de consumidores e são dramáticos, portanto emblemáticos da visão imediatista e predatória de mercado.
VM – Como as empresas estão reagindo às críticas?
SL – Um exemplo triste foi minha crítica à campanha “O banco que não parece banco”, do Unibanco. Com esse slogan, a empresa desqualificou toda a categoria a que pertence, sem mostrar no que seria tão diferente. A crítica a essa derrapada gerou uma reação tão enlouquecida do dono da agência que nem o jornal Propaganda & Marketing nem o meu site puderam publicar o que ele disse, pois deporia demais contra ele. E, afinal, minha coluna não pretende atacar nem desmerecer ninguém pessoalmente. O objetivo é didático, não persecutório.
VM – E existiram reações positivas?
SL – Sim. Quando critiquei a campanha “O Itaú quer ouvir você” e o fato de o banco não querer os depósitos dos clientes, pois cobra mais de um real por cheque depositado. O vice-presidente do banco, talvez por ser um velho amigo, me ligou para explicar a posição deles e disse que iam levar em conta as minhas críticas. No case da Itaú Seguros, que eu massacrei pelo péssimo atendimento, eles reconheceram integralmente os erros e se desculparam. O Pão de Açúcar também teve uma postura muito profissional, agradecendo pelas críticas e me convidando para uma reunião com toda a equipe de marketing deles. Isso mostra bem que os clientes (ou anunciantes) têm uma postura muito mais aberta às críticas do que a maioria das agências, que não consegue ver a sua “genialidade” contestada.
VM – Todas essas falhas influenciam diretamente nas vendas e nos resultados. Que estratégias as empresas devem utilizar para evitar os prejuízos?
SL – Quando as derrapadas são grosseiras, afetam negativamente as vendas, imediatamente. Outras vezes, até podem aumentar as vendas no início, se fizerem uso de argumentos mentirosos ou exagerados. Mas quando o consumidor percebe, tende a abandonar a marca. Para tentar evitar erros, é preciso primeiro que, no topo da hierarquia, exista gente de cabeça aberta, disposta a ouvir seriamente o mercado e não impor idéias preconcebidas. Depois, é preciso uma permanente postura de ouvir o cliente, atendendo às suas demandas da melhor forma possível, não apenas fingindo que “ouve” ou apregoando um pretenso “marketing de relacionamento” às avessas.
VM – E depois de cometido o erro, há conserto?
SL – Se houver gente esclarecida em cima, todo erro pode ter conserto, salvo em caso de catástrofe. Mas se o orgulho e a vaidade de uns e outros executivos for determinante, eles vão continuar a derrapar, só para não se desmentirem e vão acabar levando a empresa para o buraco, junto deles.
VM – Quando a falha se refere ao relacionamento com clientes, o problema pode se tornar ainda mais delicado se a empresa não resolvê-lo. Como as organizações devem se comportar ao errar com seus clientes?
SL – Devem transformar o erro em uma oportunidade de mostrar ao cliente e, por tabela para todo mercado, a excelência do seu produto ou serviço (se é que são bons mesmo). Um cliente que reclama e é bem atendido, tende a se tornar mais fiel à marca do que um que não vivencia essa experiência.
VM – Mas muitas empresas acabam não resolvendo. A indiferença ao cliente é o pior erro que uma empresa pode cometer?
SL – Não pode haver nada pior para um consumidor do que ser ignorado, enviar mensagem para um Fale Conosco e não ter resposta ou receber uma mensagem padronizada, um mês depois. Nada é mais irritante do que ficar sendo jogado de um atendente para outro em call centers que se denominam centrais de atendimento ou de “relacionamento”. Eles são capazes de enlouquecer o mais calmo dos clientes, que irá jurar nunca mais comprar daquela empresa.
VM – Por que as empresas continuam errando tanto em coisas que deveriam ser básicas?
SL – Visão de curto prazo. Isso está ligado à curta duração da carreira dos executivos. Meu irmão, que é um headhunter experiente, comentou comigo que a “vida UTIL” média de um executivo empregado numa empresa é de apenas 15 anos. Depois disso, só se ele for muito bom e subir na hierarquia ou, então, muito acomodado e terá um pouco mais de sobrevida. Disso resulta que os executivos tendem a buscar resultados ultra-rápidos para mostrar logo que são “eficazes”, sem se importar com o médio e longo prazo, pois sabem que não estarão mais naquela empresa quando a bomba estourar. Essa realidade é dramática e só se resolve se as empresas voltarem a oferecer verdadeiros planos de carreira.
VM – Qual foi a derrapada mais absurda já relatada?
SL – Nenhuma bate o case que chamei de “A Vivo prefere o cliente morto!”. Uma estratégia que faz com que os melhores clientes, dispostos a usar os serviços da empresa, sejam impedidos de gastar e migrem para a concorrência. Tanto essa derrapada é absurda que foi a mais votada pelos leitores e levou o Prêmio Marketing Worst 2005.
VM – Como a exposição, a discussão e a crítica às falhas podem contribuir para o aprendizado empresarial?
SL – Muito. Meus artigos são utilizados em escolas de Administração, Propaganda e Marketing no Brasil inteiro. Isso estava fazendo falta, pois só existe literatura sobre cases “vencedores”. Todos nós sabemos que a maioria das iniciativas dá errado. O sucesso é só a ponta do iceberg. Para aprender, é preciso olhar para os fracassos e entender por que eles aconteceram, onde estavam os erros. Mas, para estudar cases de fracasso, os professores precisam usar livros norte-americanos, porque lá eles têm coragem de apontar os erros e corrigi-los, por mais graves que sejam. Nós, brasileiros, não gostamos de falar de coisas negativas. Preferimos arranjar alguma desculpa esfarrapada para não admitir que derrapamos. Eu me dispus a fazer isso e, salvo por três ou quatro “gênios” ofendidos, é um enorme sucesso. Vale mil vezes mais ler um livro de cases criticados de verdade do que todos esses “tratados” teóricos sobre eficácia em marketing e vendas que vemos por aí.
VM – Qual é sua nota ao marketing feito pelas empresas no Brasil hoje?
SL – De uma forma geral excelente, nota oito. O profissional de marketing brasileiro que está na produção tende a ser muito flexível e criativo, até mesmo para enfrentar e sobreviver às tantas e tão dramáticas mudanças que temos tido. Só não dou nota dez porque ainda há muitos profissionais que cometem um ou ambos destes dois pecados mortais: 1) tentar ser “espertinhos” com os consumidores, visando lucro rápido e com isso comprometer a marca e a condená-la à morte a médio ou longo prazo; 2) não confiar na sua própria inteligência e delegar o marketing da sua empresa a “geninhos” autoproclamados de certas agências de propaganda, que são capazes de botar a perder, com uma campanha burra, tudo o que uma marca conseguiu conquistar em décadas.