Livro das derrapadas no marketing
Está ficando cada vez mais difícil apontar uma derrapada “pura”, pelo conceito com o qual eu mesmo as defini ao inaugurar esta coluna, há dois anos, isto é, como qualquer erro ou falha grave, seja na própria conceituação ou posicionamento do negócio ou do produto, seja na comunicação de marketing ou no atendimento e relacionamento com os clientes e com o mercado.
Foquei tanto em erros que comprometem o resultado imediato das empresas ou instituições em termos de vendas quanto os comprometimentos de sua imagem e de sua marca em função de propagandas bobas, confusas, ou, no pior dos casos, enganosas. Pois é justamente essa última palavrinha, o “enganosas”, que está me causando a dificuldade hoje.
Ao considerar uma postura enganosa como sendo uma derrapada eu estava querendo dizer, como ainda digo, que se a empresa banca a “espertinha” com o cliente e com isso aufere alguma vantagem imediata, está na verdade cometendo suicídio programado, pois o cliente acaba percebendo a enganação e isto prejudica a sua imagem e, conseqüentemente, seus resultados a médio e longo prazo.
Porém minha intenção não era, como ainda não é, ficar apontando posturas enganosas, pois embora seja muito importante denunciá-las, isto é da esfera da defesa do consumidor, que já está muito bem defendida por entidades e colunistas excelentes, como a Maria Inês Dolci.
Ocorre que, no Brasil pelo menos, a mentalidade de tirar vantagem em tudo impregnou de tal forma os meios empresariais que está difícil de encontrar um caso de “derrapada pura”, no sentido de um erro que não tenha sido cometido de propósito, com a intenção de enganar o cliente.
Campeões de reclamações nos Procons, as telefônicas (fixas e celulares), os bancos, as seguradoras, em especial os planos de saúde, quase todos iludem o consumidor desde o primeiro momento, apontando-lhes um mundo de felicidades, ao mesmo tempo em que lhes extorquem através de taxas e tarifas sem controle, os aprisionam em contratos abusivos e se recusam a cumprir a sua parte, sob a forma da prestação adequada dos serviços contratados, sonegando indenizações dos seguros, negando autorização para tratamentos de saúde, ainda que com isso colocando em risco a própria vida dos clientes. E, no intervalo, infernizam a vida dos que ousam reclamar, deixando-os por horas em filas ou esquentando suas orelhas em telemarketings cuja incompetência é tanta que nos faz desconfiar que seja proposital, a fim de levar o reclamante a desistir e desligar.
Essas barbaridades são cometidas principalmente por grandes empresas, que têm as costas quentes por serem parte de monopólios ou oligopólios, abertos ou disfarçados, que contam com o beneplácito (ou a cumplicidade) de governantes e/ou das tais agências reguladoras, cujos dirigentes “aparelhados”, como vimos exemplarmente no caso atual da aviação, pensam em tudo menos em proteger o consumidor contra a ganância das empresas a quem cabe a eles controlar.
Diante deste quadro imagino que os dirigentes dessas grandes empresas “espertinhas” devem rir à toa ao ler críticas a derrapadas, como as minhas. Pois certamente pouco se importam com o médio ou longo prazo, acreditando com certeza que continuarão a espoliar o mercado, com o beneplácito oficial, por quanto tempo quiserem, e assim continuarão “líderes” eternos.
A preocupação em evitar derrapadas, aprender com os erros dos outros, que é a motivação principal da minha coluna, é algo que mobiliza os jovens executivos de grandes empresas, ainda iludidos com a boa fé propalada naquelas belas declarações de princípios que ornam os halls de entrada – mas mobiliza principalmente os pequenos e médios empresários, com eu mesmo, que sabem que precisam ser verdadeiros, eficientes e mesmo excelentes com seus clientes, caso contrário os perderão e não conquistarão novos clientes. E que sabem também que, por terem recursos pequenos, quando não mínimos, para investir em seus negócios, não podem se dar ao luxo de derrapar. Sim, pois uma única e simples derrapada pode lhes ser fatal.
Esse é o perfil do público que responde positivamente à minha coluna e é a ele que me dirijo, mesmo quando, didaticamente, critico as posturas das grandes empresas. Até porque sei que esses grandões e aqueles que lhes prestam serviços de comunicação e marketing, dificilmente são abertos ao reconhecimento de seus erros e, ao contrário, tendem a ficar numa defensiva raivosa quando suas derrapadas são apontadas – como meliantes apanhados com a boca na botija mas que, por via das dúvidas, negam tudo.
Deposito minhas esperanças na nova geração de profissionais de marketing, ainda não contaminada pelo “vale tudo” de tantos de seus antecessores e por isso mesmo ávida por aprender a fazer as coisas bem feitas, tanto do ponto de vista técnico quanto do ponto de vista ético. E por isso mesmo tão interessada em estudar as derrapadas alheias. E rezo para que, com o passar dos anos, estes hoje jovens (ou pelo menos uma boa parte deles) não se tornem cínicos e não venham a ter seus cases “premiados” como “sacanagens” na coluna da Dolci, mais do que “derrapagens”, na minha.