Livro das derrapadas no marketing

DáDádá não dá…
Colunista: Antonio Silvio Lefèvre – Edição 24/07/2006

Não sei se em toda a história da publicidade já se criou (e se teve a ousadia de veicular) uma campanha tão grosseira e vulgar quanto esta “DáDáDá” da Pepsi. Recebi várias mensagens de leitores, indignados, pedindo que eu aborde este tema e não deixe barato esta derrapada. E não dádádá pra deixar mesmo, pois cada etapa desta campanha se revela pior que a anterior.

Para quem não lembra, ela começou com um comercial de dois sujeitos num bar, falando de uma promoção da Pepsi que, em si, é até original, pelo fato de inserir códigos nas tampinhas, que devem ser mandados por mensagens de texto pelo celular, para concorrer a prêmios. Só que a explicação do concurso é de tal modo cortada por um irritante áudio “dádádá” que só mesmo assistindo várias vezes ou lendo algo escrito é que algum mortal consegue entender a mecânica do concurso. Eu sei que publicitário “geninho” não gosta de dar explicações claras (seria muito banal para eles), mas também não precisava exagerar na criação de dificuldades.

O comercial seguinte se esqueceu da promoção (a única coisa sensata, nesta campanha) e já começou a “apelar”. Doentes graves, numa UTI, ouvem o barulhinho da lata de Pepsi sendo aberta por um médico, acordam do seu torpor e começam a dançar, pedindo a tão desejada bebida. O médico recusa, sadicamente, e os doentes afundam, aparentemente mortos. Em outro comercial, não sei se foi o seguinte, um jovem abre uma latinha dessa poção mágica na rua e é perseguido por uma multidão que tenta lhe tomar a bebida, à força. Finalmente, no comercial mais recente, uma moça abre a latinha num cemitério e os mortos saem dos túmulos, todos decompostos, implorando Pepsi. À sua sádica recusa de lhes prover este bálsamo da salvação, os cadáveres se desfazem em pó e a mocinha sai andando, toda lépida e fagueira, gozando o fato de estar viva e eles mortos.

Deixando um pouco mais barato o comercial da perseguição, que estimula atitudes agressivas nos jovens (como se precisássemos de mais violência, hoje), vamos focar primeiro no do hospital. Que família ainda não passou (ou passa) pela amarga situação de estar com um ente querido internado numa UTI, entre a vida e a morte? Que sentimento poderá lhes despertar esta grosseira gozação de doentes terminais, sendo sadicados por um médico-monstro, que pratica a eutanásia com uma latinha de Pepsi? Muitas salas de espera de UTIs têm TV e ela fica ligada. Já imaginaram a reação?
Isso não é nem mais derrapada, é um abuso de mau gosto. Trata o consumidor como demente, escreveu a leitora Denise Campielo Barros.  

O comercial do cemitério então, ultrapassa todos os limites do mau gosto. Não há cultura que não tenha respeito pelos mortos e não há família que não tenha os seus, já sendo bem doloroso imaginar em que estado estão lá embaixo os corpos daquelas pessoas que amamos, nossos avós, pais, irmãos ou, pior, nossos filhos. (tanto que muitos preferem cremar os seus, só para não terem que pensar nisso). A imagem grosseira de cadáveres decompostos, implorando desesperadamente por um gole de Pepsi, como se esta fosse fazê-los ressuscitar… e o sadismo de uma jovem que lhes nega a salvação e, gozando dos mortos, os transforma em pó, é de uma brutalidade atroz.  

Parece que esta campanha está sendo veiculada apenas no Brasil. Sim, pois nos Estados Unidos ela seria considerada como “politicamente incorretíssima”  e despertaria as mais iradas contestações. Eu não sou a favor da chatice do politicamente correto, tipo chamar os negros de afro-americanos e outras bobagens. Mas tudo tem limites e esta campanha ultrapassa todos. Uma propaganda de produto não pode insultar os doentes e os mortos. Até porque desta forma insulta também os vivos saudáveis e agride o mercado, em vez de conquistá-lo.

Que resultado será que esperam a Pepsi e sua agência de uma barbaridade dessas? Será que acreditam que o público vai achar graça nessas grosserias? Se a intenção é mostrar que este refrigerante é muito desejado, a campanha nos faz lembrar exatamente do contrário. Ou seja, o quanto a maioria dos consumidores prefere a concorrente, Coca Cola, e o quanto freqüentemente somos obrigados a engolir (ou rejeitar) a Pepsi porque ela é imposta a muitos bares, em venda casada (não era proibida?..) com o Guaraná Antártica, este sim, desejado pelo sabor que tem… Se a Pepsi fosse tão desejada assim não precisaria dessas promoções gigante para vendê-la – e muito menos desses grosseiros superlativos para mostrar um desejo, se este fosse óbvio.

E o que se quer provar com o comportamento egoísta dos personagens que se recusam a dividir com outros a latinha? Todos sabemos que beber é um hábito social e é de bom tom partilhar o prazer e a alegria de viver, como nos (bons) comerciais de cerveja. Beber sozinho, escondido, é coisa de alcoólatra ou de indivíduos anti-sociais, rejeitados pelo grupo. Só podemos então concluir que os bebedores compulsivos e obsessivos de Pepsi destes comerciais devem estar sendo vistos pelo público-alvo como marginais e idiotas, além de sádicos. Será esta a imagem que os  marqueteiros da Pepsi desejam projetar dos seus clientes, para conquistar outros? Assim NãodáNãodáNãodá.