Livro das derrapadas no marketing
“No meio de tantas mudanças, quem sabe como investir?”, perguntam os comerciais do Unibanco, mostrando clientes em desenho animado, alguns indecisos, outros confusos, outros aparentando total ignorância. E a locução responde então com toda pompa: “O consultor Uniclass sabe. E o que ele sabe você fica sabendo”.
Gente, posso até admitir que um cliente de banco humilde (o cliente, não o banco) que tenha alguns míseros caraminguás para poupar, fique indeciso entre botar na poupança, na renda fixa ou debaixo do colchão. Mas que o cliente de um segmento que se pretende de elite,teoricamente o alvo deste “uniclass” (apesar do estranho nome, que sugere “classe única”) possa sentir-se identificado com esses “perdidaços” apresentados nos comerciais, é bem pouco crível, para dizer o mínimo. E para dizer o máximo, é um verdadeiro insulto à inteligência de um cliente diferenciado assumir que: 1) ele não tem a menor idéia do que fazer com o seu dinheiro; 2) vai acreditar que o gerente de um banco possa lhe sugerir, com real isenção, qual é o investimento melhor para ele, cliente.
Qualquer pessoa que tenha conta em banco sabe muito bem que os gerentes procuram direcionar os investimentos dos clientes para aqueles fundos ou títulos em que eles (gerentes) têm maior comissão ou que constituem metas estabelecidas pelo banco. Ou alguém já viu um gerente de banco aconselhar um cliente a simplesmente botar o dinheiro na poupança em vez de por naquele fundo com nome enigmático, geralmente em inglês? E será que alguém já viu um gerente aconselhar o cliente a aplicar em outro banco, onde os rendimentos são melhores, ou comprar euros no paralelo, ou ações do banco concorrente?
Não posso acreditar que este tipo de mensagem publicitária, que aliás não é privilégio do Unibanco, ao ser testada (se é que testam) possa ser percebida com um mínimo de credibilidade pelo cliente deste banco ou pelo cliente potencial que ele eventualmente deseje conquistar. Será que alguém acredita que, influenciado por um comercial como este, algum cliente irá abandonar o seu banco e sair correndo para a agência “Uniclass” a fim de abrir uma conta e investir com tão prestimoso e visionário gerente?
O Unibanco, além disso, tem usado e abusado de animações em seus comerciais quando todos sabemos (ou deveríamos saber) que se a identificação com personagens ao vivo nos comerciais já é difícil, a identificação com personagens de desenho animado é simplesmente nula. Ninguém, depois dos dez anos de idade, leva a sério uma mensagem publicitária com bonequinhos, por mais engraçadinhos que estes sejam. Ou será por acaso que os comerciais de cerveja botam a Juliana Paes em carne e osso (e que carne!) em vez de uma bonequinha de desenho animado?
Sem dúvida, não é nada fácil fazer comerciais de banco quando a categoria em si mesma já não é propriamente das mais amadas pelos consumidores e quando os diferenciais entre os concorrentes, quando existem, não são muito claros. Porém se uma coisa devia estar clara há muito tempo é que este formato de comercial com gerente simpático, que oferece cafezinho para o cliente, enquanto se louvam as maravilhas do banco, está surrado até demais e certamente não tem mais a mínima credibilidade, se é que teve em algum momento, por falta total de respeito à inteligência do cliente.
E para não dizerem que eu só implico e vejo defeitos em tudo, contraponho a tudo isto a recente série de comerciais do Itaú, a meu ver uma das mais originais e inteligentes dos últimos tempos. E sabem por que? Porque em vez de dizerem que o Itaú é o melhor ou o mais barato ou o mais simpático, ou de pretenderem negar a categoria dizendo que ele “não parece banco”, os comerciais do Itaú falam apenas em “melhor relação custo/benefício”, com a sugestiva imagem da ponta do lápis, sempre manipulado por personagens vivos, que têm a cara dos clientes que o Itaú tem e/ou deseja ter e com os quais é plausível esperar que haja identificação com o público-alvo. Mostrando que a inteligência está do lado dos clientes, em vez de apresentá-los como ignorantes ou perdidos, em busca do “papai gerente”, o Itaú reforça a auto-estima dos clientes e dos candidatos a clientes. E está na cara que a simpatia do público-alvo vai mais para aquele banco que o valoriza do que para aquele que o desvaloriza. A mensagem sutil passada por esta campanha é que “se o banco diz que eu sou inteligente e eu é que sei das coisas, é porque ele vai me ouvir, em vez de tentar me empurrar o que é só do interesse dele.”… Si non è vero è bene trovato.
“Cliente morto não paga”, como sabemos pelo antológico filme de Steve Martin. E cliente burro não compra, como sabe todo comerciante com um mínimo de faro e experiência. Respeitar e valorizar o cliente (de verdade e não só com palavras) é o primeiro e fundamental passo para conquistá-lo e mantê-lo. O que, até segunda ordem, é ainda o objetivo do marketing, quando levado à sério.