Livro das derrapadas no marketing
Em uma semana, 591 acidentes com motos em São Paulo, revelou o Estadão numa reportagem de domingo 19/08. Um motoboy morre por dia na cidade (3.692 motoboys hospitalizados e 380 mortos em 2006). Entre as dezenas de feridos diários, três ficam com seqüelas, paraplegia ou tetraplegia, segundo um cirurgião do Hospital das Clínicas, citado pela reportagem.
E as estatísticas não contam os mortos e feridos que não são motoboys mas que são vítimas de atropelamentos pelas motos. Aposto que são muito mais porque só nas minhas estreitas relações, uma amiga ficou gravemente ferida por uma moto e um menino, filho de amigos, morreu na semana passada, atropelado por outra. Na maioria dos casos este morticínio acontece por uma razão simples: é que São Paulo é a única cidade do mundo onde as motocicletas têm permissão oficial para andar entre os carros.
Enquanto esta calamidade pública acontece na maior cidade brasileira, em vez de tomar uma atitude radical para acabar com ela, o alcaide paulistano está preocupado com a “poluição visual” e toma a atitude radical com a propaganda exterior, proibindo radicalmente os outdoors e os anúncios de fachadas em lojas que excedam o tamanho considerado “estético” pelos refinados arquitetos do seu clã.
A propósito, quantos acidentes não devem ter sido ocasionados por esta lei higienista que ele chamou de “Cidade Limpa”? Eu mesmo presenciei um devido a um automóvel que brecou bruscamente para tentar localizar uma farmácia que estava com uma placa mínima, “adaptando-se à lei”.
Os marqueteiros que estão aconselhando o prefeito derraparam feio. Imbuídos da estreiteza mental daqueles que só conseguem enxergar através de sua própria ideologia e preconceitos, apostaram que o prefeito, que só pensa em eleger-se de verdade em 2008, iria “bombar” nas pesquisas com esta pseudo “limpeza” estética da cidade.
Só que não adiantou nada. Pois qualquer pesquisa poderia lhes mostrar que o “incômodo” visual propiciado pela propaganda talvez não atingisse 0,01% da população e, certamente, não ocuparia nem a centésima posição entre os problemas mais urgentes a serem solucionados na cidade.
O resultado apareceu nas pesquisas eleitorais recentes: Geraldo Alckmin continua franco favorito e Gilberto Kassab perde de qualquer oponente. Ou seja, toda esta “limpeza” não resultou em nada por enquanto para o pretendente. Felizmente, aliás, pois se acontecer de ele se eleger, amanhã estaremos arriscados a proibirem também de comer cachorro quente ou mascar chiclete nas ruas, coisas tão anti-estéticas que devem ferir com certeza as suscetibilidades do alcaide!
E como o prefeito está precisando de um novo aconselhamento de marketing político, eu lhe dou um de graça. Que use toda essa sua energia e radicalismo para acabar de vez com o holocausto motociclístico de São Paulo e proponha a “Lei Cidade Viva”.
Na sua versão mais modesta, a lei deverá proibir totalmente o tráfego de motos no espaço entre as faixas de carros, como em todas as cidades civilizadas do mundo, que o alcaide tanto citou para justificar a proibição da propaganda (embora muitas tenham restrições à propaganda, mas nenhuma a proibição total).
Numa versão mais radical do “Cidade Viva”, que talvez fique mais ao gosto do alcaide, que se proíba totalmente a circulação de motos na cidade. E em qualquer dos casos que se casse de imediato todas as licenças de empresas de “motofrete”. Ou seja, que em São Paulo, como em todas as metrópoles do mundo, se utilize apenas automóveis e utilitários para o transporte de mercadorias e documentos. Motocicletas só para esporte, nos fins de semana e em locais próprios e bem delimitados, onde não haja pedestres. E bonitinhas atrás dos carros!
Será que alguém vai reclamar muito se esta lei for proposta e aprovada? Com certeza vai gerar chiadeira entre as empresas de “motofrete”, formais e informais, que amontoam suas motos a cada três ou quatro esquinas em São Paulo. Com certeza vai haver apelos em nome dos empregos perdidos. Com certeza vai haver um pouco mais de demora na entrega de documentos na cidade (e daí?).
Mas com certeza a chiadeira não será maior do que a gerada pelos que foram prejudicados com a proibição dos outdoors e certamente haverá menos liminares na justiça contrárias à Prefeitura.
Do lado das vantagens, haverá o aplauso entusiástico de todos os motoristas de São Paulo, que vivem apavorados de serem atingidos ou de atingirem as motos que os impedem de mudar de faixa ou simplesmente deslocar o carro para poder enxergar mais à frente e ultrapassar.
Porém o principal benefício, sem dúvida, é que ninguém mais irá chorar pelas centenas de mortos e feridos entre os próprios motoqueiros e, principalmente, entre as milhares de vítimas deles.
Garanto que a Lei Cidade Viva vai render muito mais trunfos políticos ao atual prefeito do que a “cidade limpa”. Pois, afinal, o que é mais importante: limpar a cidade de cartazes ou de cadáveres? E quem sabe assim, o próprio prefeito tenha mais chance de sobreviver politicamente até o ano que vem.