Livro das derrapadas no marketing

Borrando a imagem com a própria tinta
Colunista: Antonio Silvio Lefèvre – Edição 18/09/2006

O leitor Marcos Tadeu me fez um relato que vale uma coluna quase inteira. Passo-lhe a palavra.

Hoje vivi mais uma vez a angústia moderna de comprar uma impressora para o escritório. E mais uma vez comprovei a loucura que as empresas em geral, e principalmente a HP, estão fazendo nessa área. O padrão há anos é o seguinte: as impressoras são cada vez mais baratas e os cartuchos cada vez mais caros. Imagino que a HP estivesse perdendo mercado pois seus cartuchos são os mais caros entre todos. Tanto que surgiram os piratas, os remanufaturados, os “refilled”, toda sorte de concorrentes mais baratos. Aí é que começou o pior: há 3 anos atrás, o cartucho original  de minha HP custava cerca de R$ 120 e tinha 20 ml de tinta. Passei um tempo sem usar impressoras jato de tinta e ao voltar, tive uma surpresa: o cartucho daquela impressora agora custava menos: cerca de R$ 70. Pensei: que bom, a concorrência está funcionando. Só para descobrir que era na verdade uma enganação, pois agora o cartucho trazia menos de 10 ml. Hoje fui comprar uma nova impressora e vi que os cartuchos HP agora vêm com inacreditáveis 5 ml. E custam cerca de R$ 55. É impressionante. Tratam o consumidor como um idiota. Além de tudo, para descobrir quantos ml tem o cartucho, você tem que vasculhar cuidadosamente toda a embalagem procurando essa informação, que está escrita em letras minúsculas, em uma das laterais. Já não bastassem aquelas promessas de trocentas páginas por cartucho, que são baseadas em condições de uso e quantidade de toques inalcançáveis (você sabia que aquele número de páginas impressas por cartucho considera 15 linhas de texto em uma folha A4? É menos da metade do que qualquer ser humano normalmente usa), ainda temos que agüentar mais essa farsa dos cartuchos com algumas gotas de tinta. Tenho certeza que se surgir uma empresa honesta, que respeite a inteligência e desejos dos consumidores, colocará em perigo a própria existência das HPs da vida. Mas o que esperar de uma empresa que compra a Compaq, marca que chegou a ser líder no mercado de computadores e que mora no coração e nas mentes de milhões, e decide que é melhor extinguir essa marca?

Palavras certeiras, essas do leitor. E, infelizmente, não parece que os concorrentes da HP façam muito diferente. A Epson, por exemplo, também recorre ao mesmo simulacro, ou à mesma derrapada: fazer de conta que é uma fabricante de impressoras quando o seu verdadeiro produto é a tinta… E aí não conseguir vender a tinta, por ser cara demais…  Para empurrar as suas “tintas originais” ela ainda recorre à  chantagem, como por exemplo fazer aparecer mensagens ameaçadoras na tela do computador quando, por acaso, se está usando um cartucho remanufaturado ou que não seja aquele que elas querem empurrar: Cuidado! Não garantimos a qualidade da impressão! Ou, pior: A sua impressora pode ser gravemente danificada e perderá a garantia…  

Tudo isso é “bullshit”, sabem os usuários dos cartuchos alternativos, pois é tudo a mesma coisa! Tem mais uma pegadinha que os usuários mais atentos já descobriram. É que a impressora nova da Epson vem com um cartucho de tinta bem mais carregado do que aquele vendido à parte. Desta forma o ingênuo comprador é levado a crer que os cartuchos originais são muito duráveis… até comprar outros à parte e ir percebendo aos poucos o engôdo…

Será que os brilhantes marqueteiros dessas companhias já ouviram falar da lei da oferta e da procura? Já pensaram em quantos negócios paralelos de fabricação e venda de tinta estão propiciando? Será que acreditam mesmo que, barateando apenas o preço das impressoras, vão ampliar o seu mercado? Será que imaginam que os usuários que imprimem bastante vão pagar num cartucho 1/3 ou às vezes quase metade do custo da própria impressora?  

Do jeito que as coisas vão, esses fabricantes vão em breve tornar as suas  impressoras descartáveis. O cliente vai comprar uma impressora, usar os cartuchos mais carregados que vêm junto e depois jogar a impressora fora e comprar outra (por vezes eles mesmos aceitam uma usada como entrada, e a nova sai quase pelo preço dos cartuchos…).

Não seria mais simples e lógico baratear de verdade a tinta que, todos adivinhamos, deve ter custo próximo de zero? E fazer assim da tinta original uma opção realmente vantajosa para o cliente? Já pensaram na possibilidade de isto ampliar muito o uso das impressoras e portanto o das tintas? Vendendo mais barato se vende mais, já ouviram falar nisso? Além do ganho em vendas, uma postura honesta como esta faria com que suas marcas ganhassem também em imagem, em credibilidade, já ouviram também falar disso? Ou preferem passar a imagem borrada de marcas que fazem tudo para ludibriar os seus clientes? De uma coisa podem ficar certos: não adianta bancarem os espertinhos, com esses truques todos para enganar os consumidores. A maioria deles é mais inteligente que vocês e sabe dar o troco, em tintas alternativas!