Livro das derrapadas no marketing

Assassinato de clientes ou suicídio da empresa?
Colunista: Antonio Silvio Lefèvre – Edição 02/10/2006

Numa coluna anterior relatei o caso da Sul América, que avisou os seus segurados mais antigos que, em 30 de setembro, iria cancelar unilateralmente os seus seguros de vida. O motivo alegado, naquela linguagem pseudo-técnica bem típica dos motivos inconfessáveis: uma “readequação da carteira”. O motivo real: os segurados ficaram mais velhos e a seguradora quis fugir da obrigação de pagar as indenizações quando o inevitável acontecer, pois os seguros são por morte natural…

Reproduzi a sugestão do colega jornalista Elio Gaspari que, numa brilhante coluna sobre o que chamou de “tunga” da Sul América, convidou todos os “velhinhos” segurados a se reunirem, armados, em frente ao prédio da companhia, neste último sábado, dia 30, metade em cada calçada, e uns dispararem contra os outros, para que todos morressem na vigência dos seguros e as famílias pudessem receber pelo que alguns (como eu) pagaram por 25 anos ou mais.

Incapaz de retroceder desta barbaridade, apesar destas e outras denúncias que saíram na imprensa, a Sul América preferiu enfrentar a inevitável briga na Justiça e… perdeu. Em 6 de setembro último foi obrigada a publicar um comunicado nos jornais, informando que, em cumprimento às determinações do TJ-SP, nos autos de ação civil pública interposta pelo Ministério Público de São Paulo, irá manter os seguros de vida da forma vigente, já que o seu cancelamento unilateral foi proibido pela Justiça… informando, outrossim, que está recorrendo da decisão, conforme lhe assegura a le”…  

Trocando em miúdos, isto significa que o Ministério Público (mais uma vez salvando a honra neste país!) evitou, por enquanto… o nosso holocausto. Mas a Sul América continua querendo nos assassinar e o confessa por escrito.

A pergunta que cabe é: do que será constituído o recheio do cérebro dos “executivos” que dirigem esta seguradora? Será que nunca pararam para pensar que o principal capital de uma seguradora não é financeiro, mas é a sua credibilidade no mercado?  Como esperam eles poder vender qualquer seguro desses que estão anunciando, seja ele de vida, de saúde, de automóveis, de roubo, furto, previcência ou do que for, se ao mesmo tempo dão uma demonstração pública de total falta de escrúpulos, com o objetivo de ludibriar os seus segurados? Quem será o ingênuo ou desinformado que ousará fazer qualquer seguro com uma companhia que adota uma postura dessas no mercado? Que confiança poderá ter qualquer consumidor de que, quando chegar a hora desta seguradora pagar uma indenização, ela não inventará um pretexto qualquer para fugir da obrigação?

Supondo, magnânimamente, que o presidente desta companhia “não sabia de nada”, assumindo que ele foi induzido ao “erro” por subordinados, marqueteiros ou advogados, que o “apunhalaram pelas costas”, eu lhe digo: Ainda existe uma chance, a última, para a sua empresa salvar a honra e, com ela, a sua imagem e seu futuro no mercado. Mas para isso é preciso ter coragem de fazer um dramático “recall”, como a indústria automobilística.

Isto significa admitir integralmente o erro, demitir sumariamente os responsáveis por esta barbaridade, colocar marqueteiros com M maiúsculo à frente da empresa e, evidentemente, abster-se de interpor qualquer recurso na Justiça, acatando integralmente as suas decisões.

E mais ainda: desculpar-se publicamente junto a seus clientes, jurando que todos os contratos serão respeitados e que nunca mais será feita nem imaginada uma tramóia como esta que foi tentada contra os segurados.

Se não fizerem isso, vocês podem parar de anunciar e ir se preparando para fechar as portas. Porque algumas derrapadas, homicidas como esta, se não forem reconhecidas e sanadas radicalmente e a tempo, se transformam em suicídio para a empresa.

O Sr. já pensou em quem teria coragem de comprar hoje um apartamento construído pela Encol, aquela cujos prédios vieram abaixo?… Pois é, os clientes da seguradora acabam morrendo, já que ela não inventou um jeito de evitar que isso aconteça… Mas uma seguradora cujo seguro vem abaixo, com certeza vai também ter que ser implodida, por falta absoluta de incautos que se candidatem a novos clientes. E os beneficiários dos seguros existentes vão ter que ir buscar as indenizações na sua massa falida, como na da Encol.

Acorde, Presidente! E coragem! Para o Sr. não existe eleição que possa apagar os “erros’ da memória do mercado.