Livro das derrapadas no marketing

A Vivo quer o cliente enjaulado.
Colunista: Antonio Silvio Lefèvre – Edição 12/12/2005

No case 4 desta coluna relatamos a técnica de eliminação de bons clientes pela Vivo, que fixa um teto para seus gastos e não permite que usem mais o celular, nem pagando. Dissemos então que a Vivo prefere o cliente morto…

Agora descobrimos, pelo relato de uma e-leitora, confirmado por uma observação minha, que a Vivo não apenas rejeita a entrada de novos bons clientes, como busca aprisionar, à força, aqueles que poderiam ter a ousadia de querer abandoná-la. Vejamos o que conta a Marcela.

Sou cliente da Vivo desde 1996 (aquela época em que tinha fila para pegar um “tijolão”) e cada dia que passa me decepciono mais e mais com esta operadora. Pessoalmente, acho que a Vivo deveria ser classificada como exploradora e não operadora. É engraçada a maneira como a Vivo faz promoções: oferece melhores planos para novos clientes do que para clientes antigos. Na minha linha pós-paga eu tinha um plano de 100 minutos por R$108,00 e quando pedi para mudar uma outra linha em meu nome de pré para pós me ofereceram um plano de 150 minutos por R$74,90. No dia 7/11/05, então, liguei na central de relacionamento para mudar o meu plano de 100 minutos para o plano promocional que me havia sido oferecido. O atendente me informou que a mudança de plano acarretaria em um contrato de fidelização de 1 ano com a operadora (bela promoção?!) e então eu falei que, nestes termos, preferia não efetuar a mudança e que cancelaria a minha linha em março (quando acaba o outro contrato de fidelização que tenho). Todo “preocupado” o atendente me disse que “como sou uma cliente muito antiga”, ele efetuaria a mudança de plano, excluindo o contrato de fidelização no sistema. Aceitei e mudei de plano. Entretanto, em 14/11, liguei na Vivo novamente e fui informada que constava um contrato de fidelização na minha linha referente à mudança de plano. Falei com a central de relacionamento que me disse que não podiam fazer nada. Liguei então para a ouvidoria e fui muito maltratada pela atendente, que desligou na minha cara quando perguntei o último nome dela para que eu pudesse fazer uma reclamação. Enfim, depois de ligar diversas vezes para a Vivo e falar com muitos atendentes, consegui abrir um processo para que a gravação da conversa (quando mudei de plano) fosse analisada pois, até onde me consta, estou em perfeito estado de sanidade mental e sei muito bem o que me foi dito. Mesmo assim, o atendente da central de relacionamento me disse que não haveria com encerrar o contrato de fidelização. Procurei na Internet o nome de alguém importante da Vivo e descobri o nome da diretora de relacionamento com clientes. Mandei um email para ela contando toda a minha historinha triste e, depois de alguns dias, me ligou uma pessoa da Vivo  me perguntando o que tinha acontecido, qual era a minha reclamação exatamente, etc… para avaliar como o meu caso poderia ser resolvido. Tenho que admitir que, de fato, o homem foi muito atencioso e fez o que pôde para me ajudar. No final das contas, a multa de rescisão de contrato foi retirada, embora o contrato continue lá. Depois disso a Vivo me ligou umas 3 vezes para pedir desculpas e dizer que as “devidas providências” estavam sendo tomadas. Finalmente, em 22 de novembro, recebi este email:

Acusamos o recebimento de sua mensagem e agradecemos o seu contato.

De acordo com o setor responsável houve contato com a senhora, onde foi solicitado (sic) desculpas pelos transtornos e concedido (sic) isenção de multa contratual por fidelização. Gostaríamos de contar com a sua participação para avaliar o nosso atendimento através do Fale Conosco. (SIC)

Gente! Vocês atentaram para este termo inventado e usado com a maior desfaçatez pela Vivo: “contrato de fidelização”? Qualquer profissional que tenha lido um só artigo sobre fidelização de clientes (não precisa nem ter lido meu livro de 100 perguntas e respostas ou feito um MBA para isso) deve ter aprendido que fidelidade é algo que se busca obter espontaneamente do cliente, graças a bons produtos e serviços prestados a ele ou a promoções que lhe sejam vantajosas. Obter a fidelidade de um cliente graças a um contrato como este é um total contra-senso, uma visão policialesca do marketing!

Custei a acreditar no relato que me fez a leitora, de tal forma isto tudo me pareceu absurdo, e fui checar. Liguei para a Vivo para mudar o plano de celular pós-pago da minha mulher, que também estava baixo para o que ela fala… gerando uma fortuna em “minutos extra”. Pois bem: eu também fui “brindado” com esta exigência. Para passar a um plano mais caro precisei aceitar aceitar um “contrato de fidelidade” que obriga minha mulher a ficar “viva” por um ano. Seu ela desistir da Vivo ou resolver baixar de novo o plano, fica sujeita a uma “multa contratual por fidelização”. (olhem só o nonsense do conceito pois, por mais absurda que seja esta multa, ela seria por “infidelidade” e não por “fidelização”). Fingi que aceitei esta exigência pois ela é de fato tão absurda e além disso ilegal que, se necessário, irei à Justiça e ela nos dará razão. Afinal, onde já se viu tomar por “contrato” uma informação verbal incompleta, passada por um atendente para uma terceira pessoa que nem é a assinante? A própria postura adotada finalmente com a leitora Marcela, cancelando a multa (embora não o “contrato”), já mostra que a Vivo não tem fundamentação para exigir nada. Ela aplica o golpe conhecido como “se colar, colou”.

Deixando de lado o aspecto legal, que não é o meu foco, e olhando para isto sob o ponto de vista de marketing, o recurso usado pela Vivo não pode ser classificado de outra forma senão como uma verdadeira chantagem sobre o consumidor. Pois tem cabimento punir e, pior ainda, tentar aprisionar à força um cliente que, espontaneamente, solicita aumentar o seu plano e portanto seu gasto com a companhia, como foi o caso da Marcela e também do meu?

Isto confirma o que havia sido observado no case 4, com uma diferença: o que lá poderia ser atribuído simplesmente à falta de massa cinzenta dos marketeiros da empresa, aqui se agrega a esta um forte componente de sado-masoquismo. Sim, porque em sua ganância, a Vivo “espreme ” e abusa de tal forma de seus melhores clientes que os condena quase que irremediavelmente à “morte”, ou seja, à migração para a concorrência. O que não deixa de ser uma ironia, pois deve ser na ilusão de evitar que os melhores clientes migrem que a Vivo impõe esta “fidelidade” forçada a eles.

Se é assim que ela pretende conquistar e manter clientes (a própria definição do marketing) dificilmente poderia cometer pior derrapada. Isto parece o regime de casamento que ainda sobrevive em alguns países mais retrógrados: não só o divórcio não é admitido como se a mulher quiser libertar-se arrisca-se a levar chibatadas em público.  

Que uma empresa brasileira ousasse impor tal violência em nosso mercado, mantendo clientes “enjaulados”, ainda que sob o disfarce de um pseudo “contrato de fidelização” isto já seria um absurdo de marketing, além de  um ilícito, sujeito às penas da lei. Mas que uma companhia portuguesa, que adquiriu a antiga Telesp Celular num leilão de privatização, se julgue no direito de aplicar aqui tais procedimentos, que duvido pudessem ser aceitos na Comunidade Européia, isto já não é mais apenas uma derrapada de marketing. É um afronta a nosso mercado e à Nação, sob todos os pontos de vista. Onde está e para que serve a ANATEL que não intervém para proibir essas coisas? Como pode haver livre concorrência das teles (o próprio objetivo das privatizações) se uma operadora aprisiona os seus clientes com contratos e práticas abusivas? O finado ministro Sergio Mota, um idealista, de saudosa memória, deve estar se revirando no túmulo.  

Aliás, vocês atentaram para um detalhe? A Vivo, pelas suas origens lusitanas, tinha obrigação de pelo menos escrever em português correto. Mas perceberam a quantidade de erros de concordância no único parágrafo daquele email que mandaram para a nossa e-leitora Marcela? Olhe de novo mais acima e vamos ver quem acha mais!