Livro das derrapadas no marketing
Esta doença está acometendo muitas empresas, principalmente as grandonas… Consiste em só trabalhar direito os produtos quando estão em campanhas, mas não em regime.
Tive um bom exemplo desta derrapada com a Credicard, há pouco. Minha filha tem um cartão adicional do meu, que é um MasterCard AAdvantage Gold, ou seja, vinculado a milhagens da American Airlines. Como ela já está bem grandinha, achou que estava na hora de ser titular do seu, em vez de dependente do meu, o que me deixou muito aliviado…
Pois bem, liguei para o atendimento do meu cartão e me disseram que deveria ligar para outro número, uma central de vendas da Credicard, o que fiz então. A primeira derrapada foi imediata: para ser atendido lá, a primeira coisa que pediram foi para digitar o meu CPF. O quê?… Fichar o candidato a cliente antes mesmo de falar com ele?… Quantos clientes espontâneos eles estarão perdendo com esta abordagem policialesca logo de cara?
Mas o pior ainda estava por vir. Ao explicar a demanda de minha filha por um cartão com essas características, a atendente me afirmou, com a maior tranqüilidade, que “este cartão não existe”. Inútil eu explicar que tenho um exatamente assim em mãos, há muitos anos, e que seria estranho que a administradora, agora aliás pertencente apenas ao Citibank, estivesse emitindo faturas de um cartão inexistente…
Diante do absurdo da situação, pedi para falar com um supervisor. Não é possível, afirmou ela. Já irritado, pedi então o gerente. Não é possível, Senhor…. Pedi então o seu nome para formular uma reclamação. Ela me forneceu apenas o prenome: disse que não está autorizada a fornecer o sobrenome… Já bem irritado, pedi o seu CPF, já que pediram o meu para começar a conversa… Não estou autorizada, Senhor…
Desisti e voltei a ligar para o atendimento a clientes, onde pelo menos pude formular a minha reclamação, pedir para falar com a área de produtos e, depois de uma espera de 15 minutos por explicações, descobrir aquilo de que já desconfiava. É que a administradora não está mais oferecendo um cartão com este perfil para novos clientes. Quem já tem continua e quem não tem, não entra.
Agora eles têm outras ofertas, certamente mais interessantes para a empresa (e possivelmente menos para os clientes, porque quando se fecha a porteira de um produto costuma ser porque ele é bom demais para os clientes…). E essas novas ofertas são objeto de novas campanhas, em várias mídias e principalmente no telemarketing ativo… aquele que liga para os comuns mortais quando eles estão jantando ou em outras atividades ininterrompíveis…
Eles querem abordar os clientes potenciais e não ser abordados por estes. Sim, pois certamente não gostam que os clientes potenciais liguem para sua central de vendas, caso contrário não colocariam uma barreira de CPF na porta e dariam um treinamento mais decente às atendentes.
Por que será que esse pessoal, que sabe usar as ferramentas do marketing direto tão bem quando se trata de fazer campanhas de venda, não aprendeu aquela lição básica que é saber que a ligação espontânea de um candidato a cliente tem dezenas de vezes mais chance de se converter em venda do que aquela feita pelo telemarketing ativo para listas arbitrárias?
A explicação para esta derrapada, ouso adivinhar, está justamente nesta síndrome da “campanhite aguda”. Os executivos encarregados só sabem pensar sob a forma de novas campanhas, de novos produtos. Vai ver que nunca ouviram falar de catálogo de produtos ou produtos de prateleira, conhecimento este que não exige nenhum MBA: o dono do armarinho da esquina pode lhes ensinar.
Uma possível explicação para esta ignorância é que a simples venda do que já se tem em carteira não rende glórias no currículo… e, ao contrário, as campanhas têm resultados mensuráveis e a curto prazo, que dão glórias e quem sabe até bonificações de fim de ano…
Outra coisa que essa turma de grandões (e não apenas da área financeira) pretensamente experts em marketing direto, ainda não aprendeu, é fazer vendas diretas na internet. Um colega colunista deste jornal tentou adquirir um telefone celular via internet e descobriu que isto é impossível sem passar por um interrogatório telefônico ou sem ir à loja… e desistiu.
Meu genro americano, recém expatriado para o Brasil e meu termômetro para checar o nosso grau de atraso, espantou-se de que não seja aqui possível simplesmente pedir (e obter) um cartão de crédito ou um telefone celular pela internet, como nos Estados Unidos.
Não, tudo aqui entre nós tem que ser mais complicado, mais burocratizado. A internet aqui é ainda apenas uma vitrine para a maioria das empresas tentarem mostrar que são “modernas”. Mas a dura realidade é que elas não sabem (ou não querem) vender por ela. E a ironia é que mesmo as multinacionais que lá fora são mais avançadas, acabam fazendo aqui um “downgrading” do seu marketing para adequar-se às doenças tupiniquins. Uma das quais, aliás, é a pretensiosa e arrogante síndrome do “eu já sei tudo” e o seu agente causador, que é a preguiça de ler e aprender com a experiência alheia.