Livro das derrapadas no marketing

Compra difícil
Colunista: Antonio Silvio Lefèvre – Edição 22/03/2010

A Hermes é uma empresa carioca que é uma das pioneiras do marketing direto no Brasil. Operava com vendas por reembolso postal bem antes mesmo de eu começar a atuar no marketing direto da Abril, na década de 70. Seu foco era a venda pelo correio para sacoleiras, que depois faziam venda porta a porta nos mais distantes rincões do Brasil.

Com o advento da internet ela montou uma operação de comércio eletrônico de grande porte, voltada desta vez para o consumidor final e adotou a marca Compra Fácil.

Pena que não tenha percebido que venda a consumidor é algo muito diferente de venda a sacoleiras e requer um atendimento realmente eficiente. Foi o que eu constatei, com muita pena, ao tentar comprar deles um aparelho de ar-condicionado no dia 25 de fevereiro, pago no ato com cartão de crédito e com promessa de envio em três dias úteis.

No dia 4 de março, passados cinco dias úteis, qual não foi minha surpresa ao ligar para eles e ser informado que o produto “ainda está em nossos armazéns” e não podiam me dar uma previsão de envio. Diante desta insegurança, agi como faria qualquer consumidor atento: cancelei a compra e pedi o estorno no meu cartão – e me deram um protocolo de cancelamento. Em seguida, como o calor estava “brabo”, comprei correndo o mesmo aparelho em outra loja. Pois não é que, no domingo dia 7, sem aviso prévio, apareceu um caminhão do Compra Fácil na minha casa para entregar o ar-condicionado que eu tinha cancelado três dias antes! Claro que recusei a entrega.

Mas a trapalhada deles não parou por aí. Na segunda-feira, dia 8, recebi um e-mail com esta informação surpreendente: “Parabéns! O pedido abaixo acaba de ser expedido de nossa Central de Distribuição e possui entrega prevista com prazo máximo para o dia 09/03/2010, até as 18 horas. Lembramos que, para recebimento do seu pedido, é necessário que alguém autorizado esteja presente no local solicitado para a entrega”.

Alguém pirou lá neste Compra Fácil, pensei. Afinal, eu tinha cancelado a compra numa quinta feira, apesar disso eles haviam feito no domingo uma tentativa de entrega que foi recusada e na segunda-feira eles me dizem que vão me entregar na terça? Fica claro que nada lá bate com nada. Não sabem se tem o produto em estoque, não sabem precisar a posição de um pedido, não tomam conhecimento de um cancelamento, mandam entregar num domingo um pedido cancelado, ainda mais sem agendar (o que é lei em São Paulo) e ainda avisam que vão entregar dois dias depois de já terem tentado fazer o mesmo!

Só para não dizer que a derrapada parou por aí, no dia 13 de março recebi finalmente a resposta ao primeiro e-mail de reclamação que mandei para eles no dia 4, me informando que “a ocorrência foi encaminhada ao nosso setor responsável que providenciará o cancelamento em questão junto à administradora de seu cartão de crédito”, acrescentando que o estorno em meu cartão poderia demorar até 60 dias!

Finalmente, cansado do e-mail marketing desta empresa, já pedi duas vezes a exclusão do mailing e eles não tomam nem conhecimento: todo  santo dia continuo recebendo ofertas para mais compras difíceis!

Esta triste novela leva, infelizmente, a um único e radical diagnóstico: o de total incompetência na administração de estoques, no atendimento de pedidos e no relacionamento com clientes – além de desrespeito ao opt-out, pecado mortal no e-mail marketing.

Fico penalizado por ter que dar nota zero a uma operação de marketing direto tão importante como esta. Não só pelo histórico desta empresa no mercado, como pelo mal que essas trapalhadas podem fazer para a imagem do comércio eletrônico como um todo em nosso País.

Sim, porque o consumidor que é pessimamente atendido como eu fui, ainda mais por um ”grandão” do mercado, tende a desconfiar de todas as outras lojas virtuais e a morrer de medo de cair em outra “roubada” como esta.

Aliás, com a paranoia atiçada, tende a achar mesmo que está sendo roubado quando ocorre o mínimo problema de desinformação ou qualquer atraso no atendimento da compra em outra loja virtual. Imaginem então quando acontece uma verdadeira enxurrada de derrapadas como neste Compra Fácil, cujo nome de batismo, aliás, precisava ter um mínimo de fundamento na realidade para não se transformar numa piada de mau gosto.

Na verdade, as grandes operações virtuais tem a obrigação de serem eficientes e sobretudo transparentes com seus clientes, não apenas em benefício do seu próprio negócio, mas pela sobrevivência e pelo crescimento do negócio de comércio eletrônico como um todo. Atenção Abemd e atenção E.bit, olho neles!

Fonte: Propmark, São Paulo, 22 mar. 2010, p. 14.