Livro das derrapadas no marketing
Já abordamos nesta coluna o caso dos fabricantes de impressoras e o absurdo total de sua política de preços para as tintas. Fazendo uma recarga de tinta custar quase o preço da impressora eles cobram pela tinta como se fosse ouro líquido. Enxurradas de denúncias contra eles inundam os fóruns da Internet, numa justificada ira dos consumidores pela sensação (no caso muito verossímil) de estarem sendo roubados.
O resultado disso é que os consumidores pensam duas vezes antes de imprimir alguma coisa, demonstrando o óbvio em matéria de marketing, ou seja, que preços exagerados inibem o consumo. E revelando a estreiteza mental desses fabricantes que sequer pensam na hipótese de uma redução significativa no preço, como forma de estimular o consumo da respectiva marca de tinta. A menos que esteja havendo manipulação de preços entre os concorrentes, por prévio ajuste entre eles, o que configuraria conduta de cartel – e isto é crime contra o consumidor, em muitos países, inclusive aqui. Ora, devem pensar eles, se os bancos combinam entre si as tarifas (deixando algumas diferenças sutis, para simular concorrência) por que os “tinteiros” não poderiam fazer o mesmo?…
Havia, digo bem, havia, uma válvula de escape para os usuários, pela utilização de tintas de outras marcas e pelo uso dos chamados “remanufaturados”. Sim, o capitalismo tem essas coisas boas: um segmento pode tentar fazer cartel, mas outro segmento, que ficou fora do acordo, aproveita a óbvia oportunidade de mercado existente, no caso a demanda por tintas a preços mais acessíveis, e oferece ao consumidor as suas opções, compatíveis com as impressoras das grandes marcas.
E estão aí as tintas alternativas, a começar por algumas de marcas consagradas, como a Faber Castell e a Extralife e a terminar por aquelas carregadas em garagens ou até em Kombis e entregues a domicílio ou vendidas em camelôs. Liberdade comercial é isso e quem não gostar dela que se mude para Havana ou Caracas.
Alguém pode reclamar disso? Os fabricantes de impressoras podem não gostar, mas não têm o direito de reclamar porque a impressora vendida não é mais deles e o usuário tem o direito de fazer dela o que bem entender. Em última instância os fabricantes podem contar mentirinhas nos seus manuais e nas suas mensagens de tela: que as tintas originais são as únicas que garantem qualidade, que as outras podem danificar os equipamentos e outras bobagens que os usuários freqüentes logo percebem ser apenas uma defesa (rota) de território. E podem até brandir a ameaça de perda da garantia em caso de uso de tintas alternativas, embora isto seja discutível em juízo. Os fabricantes só não podem fazer o que a Epson acaba de fazer: instalar em suas novas impressoras um programa que as faz recusar totalmente o uso de qualquer cartucho de tinta que não seja os seus.
Acabo de ter esta desagradável experiência, ao substituir o primeiro tinteiro de uma Epson nova por um “compatível” da Faber Castell, que comprei, muito legalmente, na Kalunga. Depois de várias tentativas de driblar as mensagens negativas que me apareceram na tela ao fazer a troca, liguei para a Faber Castell para checar se estaria fazendo algo errado, já que a embalagem assegura que o cartucho é compatível com o meu modelo de impressora.
Para minha surpresa, a pessoa que me atendeu, muito atenciosamente, na Faber, explicou que a Epson instalou recentemente em suas impressoras um programa que impede o uso de tintas de outras marcas. E que como as tintas da Faber que estão no mercado foram produzidas antes desta alteração nas impressoras, elas realmente não funcionam. Pediu meus dados bancários para reembolso do que paguei por sua tinta e (inacreditável!) alguns dias depois recebi da Faber uma embalagem de Sedex pré-paga para fazer a devolução a eles do tinteiro que “não roda” na Epson.
Gente, o que é isso? Onde a Epson pensa que está? Já imaginaram se cada marca de automóveis montasse sua rede de postos de gasolina e os carros só funcionassem com a gasolina da marca própria? Já imaginaram se a Microsoft se associasse com fabricantes de computadores e estes só funcionassem com os programas dela, impedindo o uso do Linux e programas de outras origens? Já imaginaram se o telefone da sua casa só permitisse ligar por uma operadora, negando acesso às demais? Ou se a sua TV só sintonizasse a Globo e não permitisse outros canais?
Pois é exatamente isto que a Epson está fazendo: cerceando a liberdade do consumidor utilizar um equipamento pelo qual pagou e lhe pertence.
Aguardando que as entidades de defesa do consumidor e Ministério Público façam alguma coisa para esta prática absolutamente imoral (e certamente ilegal) da Epson, só podemos inicialmente recomendar uma enorme e sonora vaia ao marketing desta empresa.
Se eles pensam que conseguem escravizar os clientes desta forma, enganam-se redondamente porque logo aparecerão as alternativas para driblar os seus programinhas castradores. Não faltam geninhos informáticos para “craquear” as bobagens que uns e outros inventam, tornando inócuas suas pretensões cartelizantes.
Se a Epson merece a vaia, por outro lado a Faber Castell merece um longo e sonoro aplauso por sua postura de marketing arrojada e por seu respeito ao consumidor. Que seus engenheiros bolem rapidamente um jeito de contornar a “censura” da Epson (e eventualmente de outras marcas com as mesmas práticas ou planos) pois o mercado brasileiro precisa muito do ar fresco da concorrência.