Livro das derrapadas no marketing

Macaquice televisiva
Colunista: Antonio Silvio Lefèvre – Edição 12/03/2007

Na esteira da discussão sobre o uso de “estrangeirismos” na propaganda (contra os quais eu também me insurjo, embora sem radicalismos, censuras e proibições), convido você a fazer uma experiência. Quando um repórter em campo (não o apresentador, no estúdio) começar a falar no Jornal Nacional, da Globo, ou no Jornal da Band, ou da Record… ponha o som da TV bem baixinho, de modo que não dê para ouvir as palavras, só a “música” das vozes. Você perceberá que todos os repórteres (ou quase) falam exatamente igual e, mais do que isso, parece que estão todos falando inglês…. não um inglês qualquer, mas o inglês da CNN…

A moda começou após a cobertura da guerra do golfo, pela CNN. Aliás excelente, um marco na história do jornalismo ao vivo. Porém seus repórteres têm um estilo inconfundível, uma maneira especial de falar inglês, com pausas antes do final de cada frase, fazendo um suspense para finalmente pronunciar as últimas palavras, como se fossem uma revelação. Na maioria das vezes esses finais não revelam nada: são apenas o óbvio final de uma exposição. Mas para um estilo jornalístico que quer transformar tudo em fatos, em novidade, mesmo a maior obviedade é apresentada assim como se fosse uma grande revelação…

Pois não é que, depois disso, nossas emissoras de TV começaram a programar os seus repórteres para falarem do mesmo jeito? Adaptaram para o português o estilo CNN e todos eles (com gloriosas exceções) falam com a mesma música, fazendo os mesmos suspenses sem surpresas no final de cada frase… Fica muito estranho isso em português brasileiro, pois esta não é a música da nossa língua. O contraste fica extremamente nítido quando entrevistam alguém e este alguém fala a língua dos comuns mortais. Parece então que ele está respondendo numa língua diferente daquela em que a pergunta foi feita… Bem que os repórteres tentam fazer aquelas perguntas que já contêm a resposta que esperam obter do entrevistado, que freqüentemente começa com esta expressão da moda: “Com certeza…”, seguida do próprio enunciado da pergunta, para não fugir do script.  Mas alguns entrevistados conseguem se exprimir com mais espontaneidade e aí fica claro que eles pertencem ao mundo real brasileiro, não ao copiado do inglês cenenesco…

Que a Globo, que tem ambições globais, queira imitar um estilo noticioso que lhe dê entrada no mundo “civilizado”, a gente pode até entender, mas que é uma derrapada é. E por que? Porque aquilo que fez a Globo ser reconhecida fora do Brasil é o que ela tem de melhor, ou seja, a produção de suas novelas e mini-séries, que têm uma linguagem própria, bem brasileira, um estilo inconfundível de fazer ficção que nada deve a Hollywood, pois não procura imitar o cinema: ele usa closes e cria uma intimidade do público com os personagens, na qual o principal ingrediente é o fato de falarem a língua falada no Brasil, sem afetações (coisa que o cinema brasileiro ainda metido a ser “artístico” não conseguiu fazer).

Ora, em vez de entender que sua força está em ser original, a Globo, na cobertura jornalística em campo, virou macaco imitador da CNN. E como, no Brasil, aquilo que a Globo faz os concorrentes logo correm para fazer igual, esta forma cenenesca de dar notícias se propagou como uma peste pelas outras emissoras e quase todo repórter de TV brasileiro parece uma cópia pirata do Peter Arnett ou da Christiane Amampour…

Mas a desgraça do imitador é que geralmente  ele  não tem critério, copia qualquer coisa daquele que ele admira (ou inveja), sem analisar se é o melhor ou o pior aspecto daquele que é copiado…

Ora, se é para copiar a TV americana, que aliás é muito boa e diversificada, por que não copiar aquilo que ela tem de mais notável em matéria de jornalismo, que são os âncoras com personalidade, com opinião própria? Âncoras como Walter Cronkite, David Letterman e tantos outros que fizeram época e que são a própria marca de um jornalismo independente?

Mas não. As nossas TVs não querem jornalistas com muita opinião e muito menos com independência. Preferem bonecos bem treinados e produzidos para ler notícias editadas ou macaqueadas em cenenês. O único verdadeiro âncora independente do Brasil, o brilhante Boris Casoy, sumariamente demitido em fins de 2004 pelos evangélicos da Rede Record, ficou anos sem que aparecesse uma TV para lhe oferecer emprego! A melhor fórmula de sucesso estava à disposição no mercado e ninguém enxergava….

É isso aí, pessoal das outras TVs, acordem! Nem só de futebol, carnaval e BBB vive o Brasil. Sejam criativos nos noticiários, como são nas novelas. Inventem uma linguagem própria, tenham personalidade, ousem ter opiniões na telinha, como têm os jornais e revistas em suas colunas, ainda que nem sempre endossadas pelos veículos. Imprensa livre é isto e o público gosta. É assim que se criam diferenciais — e fazer marketing é ter e fazer uso de diferenciais.