Livro das derrapadas no marketing
Me causa o maior espanto a timidez da maioria daqueles que combatem o decreto do Prefeito Kassab que proibiu a propaganda exterior em São Paulo. Mesmo entre os que estão resistindo, na justiça, a essa arbitrariedade, multiplicam-se os argumentos do tipo “também somos a favor da cidade limpa, etc… mas… é preciso regulamentar, não proibir”…, etc.
Gente, o que é isso? Estão com medo dele? Chamaram a publicidade de sujeira e nós, publicitários, concordamos, pelo menos em parte, com este insulto, em vez de processá-lo por calúnia? Decretaram a interdição de uma atividade porque não conseguem controlar uma fração dela que está irregular e nós achamos isso normal? E se proibissem toda a atividade comercial porque os camelôs também são “informais” e não se consegue coibir sua atividade? E se resolverem fechar todas as rádios porque algumas são piratas e não conseguem fiscalizar? E se proibirem o email por causa do “spam”?… Com certeza muitos vão achar também “normal”.
Irritam-me sobremaneira as declarações de eminentes “urbanistas”, louvando esta lei autoritária em nome da “preservação do mobiliário urbano” e outras bobagens do gênero, revestidas daquele linguajar acadêmico que soa tanto àquela ideologia anti-capitalista ainda preservada em banho de formol em certos feudos acadêmicos. Que ninguém se engane: este pessoal não é contra a publicidade exterior, ele é contra a publicidade como um todo, contra o comércio, contra o capitalismo. Melhor então que mudem para Caracas e vejam lá o que vai fazer o seu ídolo Chavez nesta seara “urbanística”. Só que tomem cuidado, porque ele é capaz de “socializar” também os seus escritórios “paisagísticos”, e, ao implantar o “socialismo bolivariano”, não vai haver mais clientes privados para os nossos arqui-gurus…
Vamos ser realistas. Que mobiliário urbano é esse que se deseja preservar e admirar em São Paulo? Esta cidade, que eu amo e onde nasci e por isso posso xingar à vontade, é reconhecidamente uma das mais feias do mundo. Com exceção de dois ou três prédios da época dos jesuítas, tudo o que se construiu depois em São Paulo foi uma mistura caótica de estilos e de não-estilos, na mais total desordem e vale-tudo. Resultou disso uma cidade em que, quando vem um turista estrangeiro, o que temos a mostrar como fato curioso é justamente esta feiúra desordenada. Até os rios Tietê e Pinheiros, que podiam perfeitamente ter sido cercados de jardins, como o aterro do Flamengo no Rio, até hoje são um horror de dar dó, cercados de mato, depósitos de lixo e favelas embaixo das pontes.
Se estivéssemos em Paris, onde tive a ventura de morar seis anos e por isso também me julgo no direito de opinar, a coisa seria diferente, porque a meu ver é a mais bela cidade do mundo, com um estilo arquitetônico próprio, que foi mantido ao longo de gerações. Faz sentido então o maior cuidado com qualquer coisa que possa desfigurar a sua beleza. Ainda assim seus postes e suas estações de metrô estão cheios de cartazes e muitas ruas também têm outdoors, que em nada as enfeiam – ao contrário, dão à beleza arquitetônica um toque de vida e de cultura. E, façamos justiça, eu também ficaria muito bravo, como brasileiro, se colocassem um outdoor embaixo do Cristo Redentor, no Rio de Janeiro, nosso orgulho nacional em matéria de paisagem…
Mas proibirem a publicidade externa justo em São Paulo… façam-me um favor! Prefiro mil vezes as Bundchens e as Cicarellis nas paredes daqueles prédios horríveis que ladeiam o “minhocão” do que ver a pintura suja e rachada que deve estar por trás (e as pichações que certamente farão em cima!). Sem estas e outras musas, os meus trajetos pela abjeta Avenida Santo Amaro vão se transformar na mais total tortura. Vamos ter coragem de dizer: a publicidade exterior não apenas não está sujando nem enfeiando nada, mas está nos ajudando a esconder a feiúra e a sujeira de São Paulo. Que mais musas e belos layouts publicitários venham embelezar nossas avenidas, isto sim! Que uma nova lei decrete a obrigatoriedade de cobrir de publicidade todo prédio feio, sob pena de ter que pintá-lo de novo uma vez por ano!
E vamos chamar esta lei “higienizadora” do prefeito Kassab pelo seu verdadeiro nome: uma lei fascista, feita para agradar aos classe-médias arrogantes, que ficam arrotando discursos sobre “poluição visual” e que certamente também aplaudiriam se o burgomestre decretasse o extermínio dos favelados para limpar os viadutos. Na Alemanha de Hitler as coisas começaram assim e lá no Irã tem outro manda-chuva com idéias semelhantes. Faço um apelo ao governador Serra, em quem votei e que, acredito, não pode partilhar desta mesma ideologia, para que convença o seu ex-vice a desistir desta derrapada de fins claramente eleitoreiros e a se concentrar na solução dos verdadeiros problemas desta metrópole, que certamente não estão na publicidade exterior. É só olhar embaixo dos viadutos e nos circos infantis montados nos faróis de trânsito para entender onde os problemas estão. O resto é só publicidade exterior do próprio Kassab que, esta sim, podia ser proibida. Mas, por favor, governador, depois de convencê-lo, perdoe-o, como Cristo, porque como disse o nosso José Simão, ele “nunka-sab” o que faz.